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A Simetria na 59ª Convenção Mundial de Ficção Científica:


David Alan Prescott
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A cidade de Filadélfia é mundialmente conhecida por ser a cidade do amor fraterno, o que talvez não seja o sítio mais adequado para um encontro de escritores e editores. Mas uma análise mais profunda da cidade revela que a designação mais apta seria a da cidade dos contrastes e da liberdade de ser diferente.

Os contrastes abundam por todos os lados: a mais alta percentagem de advogados, numa sociedade na qual a riqueza e a justiça dependem cada vez mais da profissão, convive com a Maior população de afro-americanos urbanos pobres de qualquer cidade dos Estados Unidos; as enormes torres Art-Deco da Liberty Place sombreiam literalmente os becos setecentistas da cidade velha; a opulência majestosa e a grandeza da estação de caminhos-de-ferro da Rua 30 (aspecto importante do filme A Testemunha de Peter Weir, com Harrison Ford, no qual o tema do contraste é o elemento de Maior relevo) fica a poucos kilómetros dos guetos, e, mais além, do campo onde residem os Amish, a comunidade religiosa alemã que teima em viver algures no início do século dezanove.

Aqui para visitar a MilPhil, a Filadélfia WorldCon, Convenção Mundial de Ficção Científica, onde o conto Xochiquetzal e a Esquadra da Vingança, de Carla Cristina Pereira, traduzido por mim e publicado na antologia Pecar a Sete (Simetria, 1999) foi nomeado para o prestigiado Prémio Sidewise para História Alternativa, vejo-me atraído por contrastes de natureza diferente.

O mesmo fim de semana (Agosto 30 a Set 3) da Convenção (
www.milphil.org), viu a abertura ao público do Festival Marginal de Artes de Filadélfia, em e em volta da famosa e bizarra área de South Street, onde eu, por acaso, me encontro hospedado. O Festival Marginal (www.pafringe.org) apresenta orgulhosamente, geralmente com entradas de $10 ou de borla, maravilhas estranhas como «Eu Era um Insecto Mutante Teenager do Espaço» do The Great Quentini, título do qual me captou a atenção por razões pessoais, e «Planet Lear», dos Lucidity Suitcase Theater, representação do Rei Lear num campo de golfe em miniatura. Os clássicos aguentam qualquer nova interpretação, está visto.

Encontro o meu primeiro contraste ao ler a primeira página do The Philadelphia Enquirer, sentado num café da South Street às 7h30 da manhã, antes de ir assistir ao dia inaugural da Convenção. A Ficção Científica, enquanto género, muitas vezes tem boas razões de queixa, na intelectual Europa, por ser marginalizada; mas esta Convenção era assunto sério em Filadélfia. Cinco mil pessoas vieram dispostas a largar $200 (¤235) para assistir à Convenção, realizada na Pennsylvania Convenção Center, construída por cima e por volta do Edifício do Terminal de Reading, o «Maior e mais cómodo (...) do género do mundo, e um dos edifícios públicos mais belos da América». Pura verdade.

E se o tamanho serve para indicar a qualidade, esta Convenção é fora do vulgar. Apesar de eu ser de Liverpool, primeira cidade britânica com arranha-céus, e de ter visto todos os grandes edifícios de Londres, de Madrid e de (devo dizê-lo?) Lisboa, não estava preparado para o imenso tamanho desta estrutura. Não vou apresentar pormenores, porque não levava a fita métrica comigo, mas garanto aos adeptos portugueses de ficção científica e sócios da Simetria que costumam visitar os nossos encontros em Cascais, que toda a baixa de Cascais ó sim! ó caberia no primeiro andar da Convention Center/Marriott Hotel. O piso térreo contém um Hard Rock Café, um pub e restaurante, e o Mercado da Reading Terminal (
www.readingterminalmarket.org), que alberga por volta de uma centena de restaurantes e lojas, que vendem desde produtos Amish a Sushi, e na cave existem estações de caminhos de ferro, de metro e de eléctricos, bem como um centro comercial com cerca de 100 lojas e grandes armazéns.

Este ano o convidado de honra da WorldCon era Greg Bear, que fez o discurso de apresentação na Sexta-feira, mas para os Filadelfianos a vedeta era o Editor Convidado, Gardner Dozois, herói local e editor de Azimovís Science Fiction, Armageddons, Space Soldiers e Aliens Among Us, e que, segundo me disse a mim e ao Philadelphia Enquirer, está «sempre à procura de novos talentos». Entre outros assuntos, estava presente para promover Strange Days, sua mais recente colectânea de contos, publicada pela New England Science Fiction Association. A lista dos outros autores, editores e críticos presentes é tão vasta que seria impossível inclui-los todos num artigo desta natureza, e por isso não me alongo para além daquilo que importa aqui.

A apresentação dos Sidewise Awards for Alternate History, que teve lugar na Sala CC204C (o que dá uma ideia do número de salas), antes do painel sobre «Clássicos da História Alternativa», com Suzanne Blom, Michael Dobson, Evelyn C. Leeper, Paul J. McAuley e Harry Turtledove, representou um refrescante regresso ao estilo mais castiço dos nossos debates nos Encontros em Cascais. O tom mais descontraído e amigável, e uma atrapalhação semi-ensaiada com a etiqueta da utilização do microfone deu a ideia que este grupo não se levava com a seriedade que o ambiente pedia. E fizeram muito bem. O prémio para romance foi entregue a Mary Gentle, com Ash: A Secret History, e para o conto o vencedor foi Ted Chiang, com Seventy-Two Letters. Assim, nem a Carla Cristina Pereira, nem a Simetria, nem eu, chegámos a levar para casa uma das placas elegantes atribuídas pela Sidewise.

Mas o negócio sério das convenções e dos contactos continuou para mim, e o nome da Simetria fez o seu impacto, embora pequeno. Conversei com Darrell Schweitzer e George H. Scithers, editores de Weird Tales, que receberão manuscritos (apenas em papel) e que podem ser visitados em
www.dnapublications.com e [email protected] para receber pormenores sobre como se deve submeter trabalhos escritos, e, para além de dois convidados nossos em Cascais, Stephen Baxter e Joe Haldeman, encontrei o grande e inconvencional (nos dois sentidos do termo quando se trata de uma convenção) Norman Spinrad.

O Norman era a única pessoa na convenção que (como eu) usava camisa, calças compridas que não eram feitas de ganga, meias, e sapatos (i.e., de couro, engraxáveis, e não destinadas a actividades desportivas, ou a caminhadas pelo deserto ou pela selva). Também como eu, o Norman parecia algo europeu e perdido, especificamente em relação a como encontrar o caminho para a Sala CC106A e em relação àquilo que ia ler ao fiéis. Felizmente para nós os dois, depois de eu ter entregue algumas cópias das antologias da Simetria ao Gardner Dozois, ao Darrell Schweitzer, as DNA Publications, a um grupo noruegês de ficção científica interessada em estabelecer contactos com outros grupos europeus, a uma senhora cujo nome não fixei mas que fazia parte da organização e a outras pessoas misteriosamente interessadas, faltava-me entregar um exemplar de Pecar a Sete, a antologia que contém o ëcontoí La Cuisine Humaine do Norman, e que nunca tinha sido apresentado publicamente nos Estados Unidos.

Norman aceitou o livro, e procedeu a ler o conto em inglês, pela primeira vez no país que ele, algo relutantemente, tem que aceitar como a sua pátria. O público presente revelou-se assaz confuso, divertido e intrigado.

E assim construiu-se um dos pontos altos de uma convenção literária e dos media que, pelo menos para mim, deixou a impressão de ser grande demais. Demasiadas coisas para fazer, e demasiados sítios para se estar ao mesmo tempo, mesmo para mim, para quem 95% dos acontecimentos não me diziam nada; mesmo assim, os cinco por cento eram demais. As 148 páginas do programa, com uma média de dez eventos por página, revela uma ideia do volume de actividades. Impenetráveis. Como as hipóteses de encontrar alguém interessante com quem conversar ou dançar na noite do Baile de Máscaras no Salão Grande, numa pista de dança de 30.000 metros quadrados.

E assim voltei para Unoís, o pequeno bar e restaurante perto da South Street, para comer um Philadelphia Burger, para ponderar se seria desta vez que eu, como europeu, acertaria com a quantia da gorjeta (demais? pouco?) a deixar à Julie, minha empregada, e para vaguear rua fora, a ver os verdadeiros acontecimentos marginais.

David Alan Prescott


 

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