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todos os dias de caos
por Nilza Amaral <[email protected]>

Todos os dias de caos


Moira olhou ao seu redor.Apesar de n�o causar espanto, a destrui��o a deixou nauseada. Procurou pela bolsa onde estavam os estimulantes comprimidos azuis que n�o conseguira encontrar antes do caos. Engoliu logo cinco.Pior do que estava n�o poderia ficar. Sangue dos corpos feridos espalhava-se pela esta��o do metr�.

Procurou por Roque at� onde a extens�o do seu olhar conseguia alcan�ar.Nem sinal dele, muito menos de Ronaldo ou das lobas. As lobas! Afinal por causa delas estavam ali:ela e Roque em busca de Ronaldo. Para tentar localizar o amante programado pelo sistema e seq�estrado por uma das mulheres transformistas. Sentia-se mais forte. Pediria conselhos � Loira, a mulher do Roque. Ela saberia o que fazer. Sempre sabia. Apesar de serem diferentes (Loira era do s�culo anterior, ainda possu�a cabelos e seus dedos eram separados), davam-se bem. Isto �, quando Roque n�o estava por perto, ent�o o ci�me a vencia e ela se revelava.
Encaminhou-se por entre os escombros procurando achar a sa�da para a rua. Era sexta-feira, dia dos estupradores.Mas teria que se arriscar. N�o deveria ter retirado o seu cinto de castidade - a �nica prote��o das mulheres pertencentes � Organiza��o.
Os estupradores que se conformassem com as mulheres da ral� das periferias.
Afinal haviam nascido para isso. E clonadas quando o estoque estava se findando. O clone era rotina pois o custo de reprodu��o por provetas era alto, s� acess�vel �s mulheres da Organiza��o. O fato do pre�o nem era importante, uma vez que reproduzir j� n�o estava no esquema de vida das mulheres de classe dominante. Havia sistemas menos trabalhosos, como os conjuntos embrion�rios. Vendidos em qualquer laborat�rio de manipula��o e por tipos: loiros, amarelos, morenos. Os loiros eram os preferidos.a popula��o estava mais clara, mas...
Depois das revoltas com a conseq�ente destrui��o das igrejas e seitas pelo povo insatisfeito com o n�o cumprimento das promessas de riquezas, os cientistas ficaram mais � vontade para usar m�todos cient�ficos para controle da popula��o. Dr. Nonez era um desses.
Apesar das regras, algum bandido mais ousado tentava sempre atingir as mulheres proibidas. Como ela. Que agora se sentia completamente desprotegida. Desamparada como a cidade. Como o aumento de clones, de bandidos, e de mendigos, o c�rculo da periferia aumentara o n�mero de habitantes e pasmem! fechando os membros da Organiza��o num c�rculo cada vez menor. Os meliantes cresciam em n�mero e apareciam nos bairros proibidos em busca de �gua e alimento desidratado.
Cautelosamente deixou o caos do terminal. Encontrou entre colunas em ru�nas e entulho empoeirado, o seu carrinho blindado, modelo ovo, com escotilha � prova de balas, inc�lume, abandonado no meio da confus�o. Sentia falta f�sica de Ronaldo. Quatro semanas, e nem a Organiza��o havia conseguido localizar o seu homem. Roque, um dos chefes, nada pudera fazer.Na verdade o plano falhara. As lobas n�o poderiam ser menosprezadas. Como soci�logo do s�culo anterior Roque conservava o resqu�cio dos correligion�rios que teimavam em estudar os fen�menos da �poca. As lobas entretanto, n�o faziam parte de nenhuma id�ia programada, e portanto, fugiam ao controle do sistema.
Como explicar as mutantes? As lindas mulheres angelicais que toda as sextas-feiras se transformavam em lobas e sa�am � cata dos engenheiros de solo, suas v�timas prediletas? O pior foi Roque se apaixonar por elas. Por todas. Tanto, que aquela noite no metr�, ele ficou t�o excitado quando percebeu uma delas se transformando ao seu lado, que n�o se conteve e saiu � ca�a abertamente.
E aconteceu o caos. A destrui��o. O sangue. Nada de novo.

Encontrou Loira fazendo seu p� de m�mia. Desta vez pegou-a em flagrante.
- Oi, Loira, fazendo seu creminho de beleza?
Sempre era c�nica com Loira. Essa era a base da rela��o das duas. Sem contar o ci�me doentio que Loira sentia de Moira, desde que esta come�ara a trabalhar com Roque nas campanhas de prolifera��o de �dio entre a popula��o: os p�rias contra os privilegiados: mate seu inimigo antes que ele o mate!
- E Roque? Respondeu ela fingindo n�o ter ouvido a pergunta. Nem ao menos olhou para Moira.
- Temos que percorrer os hospitais. Aconteceu novamente. As lobas atacaram no metr�.
- Meu Santo! Voc� est� horr�vel...Venha aqui. Vou lhe fazer umas pomadas. O que houve com a sua cabe�a?
M�o prodigiosa de Loira! Ela sabia lidar com aquelas plantas As �nicas remanescentes depois do �ltimo descarga dos meteoritos e que ela conservava como ouro num pequeno jardim. A pele da cabe�a de Moira recuperou-se logo e os pequenos tufos pilosos brilharam limpos novamente. Loira e Roque, gra�as �s maravilhosas po��es preparadas por Loira, adiavam a velhice e a senilidade, sistemas de extin��o de vida do s�culo anterior, dos quais eram os �nicos remanescentes. Sua face era lisa como bunda de santo. Sem uma �nica ruga. Esticada como uma m�mia. E Roque, pujante e viril. Qual seria a idade real de cada um?
Na rua, pain�is eletr�nicos brilhavam suas frases subliminares: N�o beba Cola. O �dio vencer� os fracos. N�o ultrapasse seus dom�nios. N�o saia � noite. M�sica indiana invadia os bairros deteriorados. Das cal�adas o vapor quente subia atormentando os que se aventuravam pelas ruas. Chuva �cida ca�a em intervalos regulares.

Os hospitais estavam abarrotados. Doutor Nonez, o �nico m�dico do hospital e cientista da Organiza��o , a atendeu prontamente.
- Moira! Que bom v�-la s� e salva.
- Gra�as aos potinhos de Loira. Estamos procurando, al�m do Ronaldo, agora tamb�m o Roque.
- Ambos est�o aqui. Quase mutilados, mas ficar�o bem. A nova programa��o para regenera��o dos tecidos, especial para os membros da Organiza��o, ficou pronta. Eles ser�o os primeiros a usar.
- Quero ver o Roque. Falou Loira, j� se dirigindo hospital adentro saltando sobre as in�meras macas espalhadas pelo ch�o. Pela amostra a �ltima sexta-feira deveria ter sido braba!
- Quanta gente ferida...
- � sempre assim Moira. Toda sexta-feira. Metade � ral�. Nem vale a pena. Alguns ser�o clonados. Precisamos de trabalhadores para limpar os campos calcinados e procurar por �gua, cada vez mais escassa.
- E a �gua dos cactus? N�o est� mais sendo extra�da?
- Escassa. J� come�amos reciclar urina coletada nos subterr�neos onde os parias se escondem.
- Moira, venha c�, gritou Loira acenando de uma das macas.
Ufa! Roque estava horr�vel! Em carne viva.
- Corra pegar minha maleta de ung�entos.
Dr. Nonez n�o queria acreditar. Aquilo era melhor que o programa de pele fetal! � medida que o ung�ento fervia sobre a pele queimada, nova pele surgia clara e limpa.
- E o Ronaldo?
- Na �ltima maca. Delirando.
- Ronaldo, sou eu, Moira.
- Ah, o sexo sem programa��o. Que maravilha! Ang�lica sabe das coisas. Que pele, ou melhor, que p�lo! Que h�lito!
- Precisamos esperar. Ele est� em estado de choque. Vou transport�-lo para que descanse. Apertou o bot�o de igni��o do capacete de acr�lico radioativo sobre sua cabe�a e ele desapareceu. Milh�es de foco de luz iluminaram o ambiente.
- Quando retornar estar� �timo e n�o se lembrar� de nada
- N�o h� problema, querida. Pe�a � Organiza��o para programar um novo companheiro. Ou clonar Ronaldo se voc� prefere o seu tipo.
- N�o � uma quest�o de sentimento e sim de adapta��o, Loira. Esta programa��o foi perfeita. O casal ideal.
- At� para procriar?
- Ora, Loira, caia na nossa realidade. Procriar � palavr�o.

Ang�lica estaria quase feliz se conhecesse sentimento humano. Regozijava-se com o resultado da noite anterior.Se n�o fosse a confus�o no metr� teria sido mais uma noite de sexo sem comer literalmente o parceiro. Com Ronaldo estava dando certo. A pr�xima sexta-feira ser� a d�cima terceira noite e a profecia ser� cumprida. Onde estar� Ronaldo?

- Como est� Ronaldo, doutor?
- Novo em folha, mas mudo, Moira. Deprimido e sem vontade. E n�o se lembra de uma v�rgula do acontecido.Essa descarga a laser sempre funciona.
- N�o falou nada sobre a loba?
- S� repete um nome: Ang�lica.
- Ang�lica.Deve ser o nome dela enquanto mulher.Precisamos voltar ao terminal do metr� na pr�xima sexta-feira. Roque est� inteiro novamente. O senhor n�o sabe nada dessa programa��o sobre as lobas, sabe doutor?
- Esse fato foge ao nosso controle. O n�mero delas aumenta em progress�o geom�trica. � um enigma! N�o entendemos que tipo de embri�o elas se implantam.
- N�o poderia ser dos engenheiros? Talvez eles cedam sua cota.
- Mas por que meio? S�o esp�cies diferentes.
- Uma rela��o normal?
- Imposs�vel. Sem programa��o?
Ronaldo continuava macamb�zio em seu cub�culo refrigerado.

- Ronaldo, voc� est� bem?
- Ang�lica?
- N�o, sou eu Moira.
- Moira.
E emudeceu novamente.
Nada havia a ser feito. Somente esperar.

Moira foi para casa, amarrou-se nas correntes pendentes do teto para n�o se ferir durante as costumeiras convuls�es noturnas e ligou o aparelho de not�cias.
O ataque foi de madrugada. Mulheres em casacos de pele e botas de cano alto, uivando alucinadamente atacaram o hospital levando o engenheiro Ronaldo e despeda�ando v�rios enfermeiros. Doutor Nonez nos deu a entrevista hoje de manh�:
�
- Que mulheres s�o essas, doutor? A Organiza��o est� escondendo algum novo perigo?
- Bem, agora n�o � mais mist�rio. S�o mulheres mutantes que se transformam em lobas todas as sextas-feiras �s seis da tarde em ponto.
- Mutantes? E como se pode reconhec�-las?
- S�o todas iguais enquanto mulher. Angelicais. Cabelo sedoso, olhos claros. Unhas quadradas e limpas.
- Quer dizer, umas gatas...
- Cuidado, elas n�o fazem miau. Estra�alham suas v�timas. Algumas delas ficam desaparecidas por treze sextas-feiras. Quando s�o encontradas, nenhum programa as salva. S�o muitos raros os casos de recupera��o. Instantaneamente Moira entrou em convuls�o. DesMaiou pendendo-se pelas correntes.

Ang�lica preparou a bebida de ervas para Ronaldo.Afinal precisavam comemorar. Era a d�cima terceira sexta feira e quem sabe n�o seria a �ltima? O quarto refrigerado os esperava na imundice do lugar.Ratazanas enormes fu�avam o lixo da regi�o, e lobas uivavam freneticamente tentando fazer amor com os engenheiros seq�estrados. Um barulho infernal.
- Ang�lica!!
- Pensei que n�o fosse acordar mais, queridinho.
- Ang�lica, outra vez com esse casaco de peles nojento?
De repente ele percebeu. As unhas quadradinhas transformavam-se em garras. Os olhos redondos estavam cada vez mais obl�quos. A pele escurecia debaixo de tantos pelos. A fera debaixo da bela! Como ele n�o percebera antes? Ang�lica-loba aproximou-se .O bafo quente asfixiou Ronaldo.
- Ronaldo, venha, me fa�a mulher, murmurou entre grunhidos e uivos. Sou a sua Ang�lica. Livre-me da profecia.
- O que � isso, Ang�lica, onde est� voc�?
N�o houve tempo para respostas. O abra�o apertado quebrou as costelas de Ronaldo. A saliva quente afogou �o e ele se viu preso debaixo daquele corpo forte. Sem sa�da. Sentiu o sangue quente empapando suas roupas. E desfaleceu com o nome de Ang�lica em seus l�bios e a figura angelical de mulher em sua mente!
As sirenes enchiam a noite perigosa. Os estupradores gritavam na noite rondando suas v�timas. Os hospitais lotavam-se de feridos.
A m�sica indiana sobrepunha-se ao barulho. Pain�is eletr�nicos brilhavam feericamente.
Findava-se mais uma sexta feira na cidade mais que desvairada.

acerca do conto...
Título: Todos os Dias de Caos
Data:
Autor: Nilza Amaral
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