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Newsletter EVENTOS.
eventos 2.06 (01/04/00)
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                        E V E N T O S

                  Revista de TecnoFantasia

< http://www.geocities.com/simetriaEVENTOS >
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Nº 2.06    publicação semanal e gratuita       01 Abr. 2000
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Coordenação: Luís Filipe Silva
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(Mensagem 1 de 2)


«Se o Homem percebe que há uma tecnologia qualquer ao seu
alcance, trata logo de a conquistar... como se fosse um
instinto natural»
Masamune Shirow, _Ghost in the Shell_


CONTEÚDO

(Mensagem 1)
EDITORIAL: The Coming of Shape to Things (I)
CORREIO: Os Leitores Comentam
VIDA: O Laboratório da Realidade
CULTURA: A Arquitectura do Possível
CIÊNCIA: O Que Sabemos Hoje e Não Sabíamos Ontem
AGENDA: Eventos & E-ventos

(Mensagem 2)
FICÇÕES E CONFISSÕES
Concurso de Ficção Primavera 2000

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                        >>> Subscrições <<<
    enviar mail para   [email protected]
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NOTA: A internet é o meio de educação e informação previlegiado
      do novo milénio. Neste sentido, *EVENTOS* encoraja a
      disseminação do conhecimento, autorizando a reprodução e
      envio da revista, desde que seja difundido na íntegra e
      com indicação completa da sua origem. Esta autorização
      no entanto só é válida para os artigos e notícias, e desde
      que o fim a que a reprodução se destina tiver natureza apenas
      didática - de modo nenhum deve ser difundido com fins comerciais.
      As obras de ficção aqui publicadas não estão abrangidas por
      esta permissão e são da propriedade exclusiva dos seus
      autores, pelo que a sua reprodução não autorizada é proibida.
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                         --oOo--

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EDITORIAL
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THE COMING OF SHAPE TO THINGS

Luís Filipe Silva

* Primeira Parte: Pós-Modernismos

A imagem seminal do impacto que os meios de comunicação tiveram na nossa
sociedade e em nós enquanto indivíduos encontra-se perfeitamente
representada por um cartoon do Bill Waterson, em que o Calvin e o Hobbes,
retirados do conforto do lar e obrigados à força a ir passar um fim de
semana no campo com os pais, contemplam o lindo amanhecer à beira de um
lago, com os patos a grasnar, o sol a bater na água, o vento ao longe a
agitar suavemente as ramagens da floresta, não se ouvindo nada a não ser o
canto matinal dos pássaros, e perante este espectáculo, Calvin vira-se para
o Hobbes e comenta, desgostoso: «Imagina só os programas da televisão que
estamos a perder!»

Os meios de comunicação que satisfazem, de forma mais ou menos incompleta, a
necessidade de viver num mundo real, têm por base a imagem, animada e em
constante alteração. Prendem a nossa atenção de predadores habituados a
viver na pradaria, atentos ao menor movimento, o espírito alerta para presas
e inimigos. A inteligência não veio suplantar este reflexo primitivo, de que
a televisão abusa, encontrando o expoente máximo nos anúncios e videoclips,
na sua Maioria esforços criativos gigantescos sobre banalidades absolutas.

A vulgaridade parece ser a palavra de ordem na nova era da TecnoFantasia.
Uma vulgaridade que utiliza o volume de informação como substituto do volume
de conteúdo. A esta tendência começou a chamar-se Pós-Modernismo, de si um
termo ambíguo, que contraria a definição do termo «moderno» (que significa
«presente, actual, o que está nos nossos dias») e o transforma num «ismo»,
ou seja, numa manifestação cultural, delimitada no tempo, que teve um início
e um fim - e é assim que vivemos numa era «pós-moderna», ou seja, para lá do
presente, no futuro. Indicador de que a nossa mentalidade ficou para trás, e
que vivemos num sonho colectivo recheado das imagens da proto-TecnoFantasia
que as revistas de FC dos anos 30 apresentavam nas capas de Frank Baum? Bem,
não exageremos. As definições que os senhores das artes nos lançam nada têm
a ver com o mundo real. Este continuou a avançar para além do presente
«moderno», e sim, já estamos no futuro.

Mas a questão do conteúdo é preocupante. Não que falte: não é o excesso de
informação que causa a sensação de vertigem - estamos por demais habituados
a viajar a altas velocidades, quer em presença de corpo quer em presença de
espírito. Uma das contribuições dos meios de comunicação foi de habituar-nos
desde pequenos a filtrar informação desnecessária e proteger-nos contra
certos abusos iconográficos.

O problema é que o pequeno cérebro de mamífero não se altera tão
rapidamente. Os nossos olhos viajam para a imagem em movimento, com uma
atenção reptiliana que os ouvidos nunca precisaram (a rádio era um meio
complementar, e não substituto, do mundo real, antigamente). A vertigem
surge quando, de repente, a informação é tanta, e a necessidade de
compreender tão grande, que o fundo parece longínquo, e não há nada por
debaixo dos nossos pés para nos agarrar.

O expoente máximo do ruído e da desinformação é obviamente Andy Warhol, que
gozou mais do que os famosos 15 minutos de fama, uma declaração
perfeitamente bacoca, como sabe qualquer pessoa que coloca páginas pessoais
na internet: a sua obra nada acrescenta ao espelho que pretende ser da
realidade mediática - deforma o aspecto, mas não contextualiza, não
sintetiza, não compara. Elvis mantém-se Elvis, fotografia e ícone; Marilyn
também. Deve ser apreciada como um catálogo de ideias - mas as ideias não
estão lá, estão em nós, sociedade, perpassam-nos e transformam-nos, mas não
conseguimos perceber porquê. Warhol teria atingido conteúdo, se, ao invés de
Elvis, mostrasse o Zé Ninguém a querer ser Elvis, de popa e brilhantina, e
fato de lantejoulas. É nesta encarnação que a identidade do indivíduo se
perde e a necessidade de chamar a atenção, de se transformar em ícone, ser
divino, ser eterno, se manifesta: os tais 15 minutos de fama. Se Warhol
tivesse algo a transmitir à humanidade, teria acrescentado à sua declaração,
«15 minutos de fama, sim, desde que essa pessoa imite algo ou alguém
famoso». Tal como ele fez, com os pacotes e símbolos da Coca-Cola. Chamou a
atenção, sim, mas não disse nada de novo.

O pós-modernismo, no entanto, veio e instalou-se, e agora encontramo-nos
afogados nos seus efeitos secundários. Um movimento que nasceu na
arquitectura, que esgotada com as formas, feitos e soluções das grandes
metrópoles, pretendeu recuperar linhas e valores e movimentos antigos, como
se os próprios arquitectos fugissem daquilo que julgavam efémero
(arranha-céus) e pretendessem continuar a tradição dos grandes monumentos,
obras testadas e resistentes ao tempo e às civilizações, testemunhos eternos
da concepção de arquitectos antigos.

(continua no próximo número)

                         --oOo--

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|   As nossas vidas são uma parte da vida do universal.       |
|   Se nós percebermos que a nossa vida vem do universal e que|
|   viemos existir neste mundo, devemos então perguntar-nos a |
|   nós mesmos por que é que o universal nos deu vida. Em     |
|   japonês, usamos a frase suisei-mushi, que significa ter   |
|   nascido embriagado e morrer enquanto ainda se está a      |
|   sonhar, para descrever o estado de ter nascido sem compre-|
|   ender o significado disso e morrer sem ter chegado a      |
|   compreendê-lo.                                            |
|                                                             |
|                         Koichi Tohei, _Aikido in Daily Life_|
|                                                             |
|*EVENTOS* pergunta: está acordado, ou está a viver um sonho? |
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                         --oOo--
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OS LEITORES COMENTAM
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>O único senão que [EVENTOS] me parece ter é que não é muito
>fácil de acompanhar por quem esteja totalmente «por fora».
>Se é feita a pensar em quem já está ambientado ao mundo da FC,
>a questão não se coloca, obviamente. Isto ocorre-me a propósito,
>por exemplo, de coisas como cyberpunk, ou outros termos.
>Tenho uma noção do que isso seja, (...) mas não sei se a
>generalidade das pessoas entende isso.
                                         

Como em todas as outras artes, os termos da TecnoFantasia parecem familiares
e universais para quem os usa, e por vezes esquecemos de quem está do outro
lado da porta. A partir do próximo número, EVENTOS apresenta uma chave para,
aos poucos, os curiosos como a leitora poderem entrar e sentir-se à vontade.

                         --oOo--

>Parabéns! Finalmente uma newsletter portuguesa em condiçðes!
>Dois pequenos reparos:
>1- Ciências Behavorais? Que tal «Ciências do Comportamento».
>2- Porque decidiram publicar em 8 partes um texto que já se
>encontra na página da Simetria, disponível na totalidade?
>Que tal publicar textos originais?
>Cá fico à espera do próximo número.
                                             

Obrigado pela sua apreciação. A tradução de termos científicos é sempre
conflituosa, por não haver um normativo em português fixo - muitos
cientistas continuam a usar os termos na língua original. Mas anotámos a sua
indicação e este número já reflecte a mudança. Quanto ao belo texto do Luís
Sequeira, quisémos dar-lhe novo fôlego, e como pode ver, este número já
inclui contos originais.

                         --oOo--

>(Relativamente ao artigo de EVENTOS passado) Não é «Galáxia de
>Orion». É «nebulosa de Orion», uma nuvem de gás e poeira cheia
>de estrelas de formação muito recente (300.000 anos), a 1500
>anos-luz da Terra, dentro da nossa galáxia.
                                             

Obrigado pela correcção.


                         --oOo--
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O LABORATÓRIO DA REALIDADE
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<> O DETENTOR DA CHAVE

Um dos temas altos da semana terá sido o conjunto de descobertas e polémicas
relacionadas com o projecto do Genoma Humano, a decorrer há quase uma
década, e cuja missão é mapear por completo o código de instruções que
compõem a biologia do ser humano, nomeadamente o ADN e não só.

O mapa do genoma é essencialmente o ponto de partida para começar a explorar
as funções genéticas das células humanas, embora sirva primordialmente para
as empresas farmacêuticas poderem estabelecer novos medicamentos e curas.
Daí a importância que começou a ser patentear ou reservar para futuras
explorações certas sequências do genoma humano, como se fossem regiões
demarcadas de um território comercial.

Esta tendência provoca diferentes reacções do público e da economia perante
o fenómeno. Na Islândia, por exemplo, os habitantes acusaram o governo de
aceitar donativos avultados da empresa deCODE (à volta de 250 000 dólares
americanos) durante o processo de licenciamento para criação da base de
dados do Sector de Saúde da Islândia enorme contendo as características
genéticas de quase todos os individuos islandeses.

Para deCODE, a pequena nação apresenta um enorme potencial de estudo e
exploração comercial devido à sua população homogénea de quase 300000
habitantes que apresentam olhos azuis e cabelo louro. Quaisquer anomalias
genéticas irão sobressaír muito mais do que numa população tão variada como
os EUA. Estas anomalias poderiam então ser tratadas com medicamentos novos,
mais baratos de investigar, explorar e comercializar.

A acção foi criticada pela Associação Médica Internacional. Uma das
razões relaciona-se com a privacidade, pois considera-se que o individuo
concorda em participar, podendo manifestar-se pela negativa. Até agora, a
adesão foi de 17000 pessoas. A ideia interessante é que a exploração por 12
anos é considerada monopolista, em particular porque a empresa é detida por
suícos e não por islandeses, como se dizia.

Por outro lado, investigadores no Canadá afirmam ter descoberto um vírus que
pode transformar uma mera constipação num problema de coração fatal. Um
vírus que é extremamente comum e contagioso, provoca em algumas pessoas uma
resposta do sistema imunológico que acaba por atacar o músculo cardíaco. Na
raíz do problema encontra-se um gene específico de (p561ck) de que essas
pessoas são portadoras. Como dizia um dos investigadores, «é como se se
contraísse uma doença do coração no metro ou no autocarro».

O projecto do Genoma Humano, que se prevê terminar nos próximos anos, não é,
no entanto o único que desenvolve esforços para compreender a máquina da
vida. Celera Genomics, empresa farmacêutica, anuncia que tem um projecto
idêntico a decorrer internamente, e que se prevê estar terminado nos
próximos seis meses.

Os problemas éticos em questão ainda agora começaram a ser abordados. Mas
como se verificou na história recente dos nossos tempos, uma melhoria da
condição de vida passa sempre pela disponibilização de tratamentos para
prolongar a existência e resolver defeitos e doenças do foro genético. A
decisão a tomar sobre o uso da informação do genoma humano (e vêm-nos logo à
ideia os investigadores particulares que utilizam essa informação para a
criação de vírus mortais destinados a satisfazer as suas necessidades
patológicas de destruição da raça - como exemplificado no filme «Doze
Macacos» de Terry Gilliam e no livro «A Praga Branca» de Frank Herbert) será
uma das mais demoradas e interessantes discussões dos próximos anos, mais
importante e premente do que a liberdade de expressão na internet.

                         --oOo--

<> O GELO DERRETE

Podia ser o título de um filme. A saga de um desastre ecológico.

Kubric filmá-lo-ia devagar, mostrando o sol a nascer em tempo real, o gelo a
brilhar e a derreter ante o calor, durante quinze minutos de película, até
que o primeiro pedaço de gelo se soltasse e caísse no mar, num prenúncio
metafórico da nova era.

Por seu lado, Spielberg sentir-se-ia impaciente com tanto tempo de câmara
parada, e faria com que a Antártida pudesse desaparecer numa questão de
horas, de preferência devido à ameaça de detonação de dezenas de ogivas
atómicas por um grupo terrorista qualquer, que seria necessário impedir - só
assim justificaria a narrativa frenética, as perseguições de helicóptero por
entre tempestades de neve, e a saga de dois putos fanáticos pela histórica
expedição de Scott que se perdem no meio do Pólo Sul, apenas para descobrir,
enterrada sob o gelo maciço, a obrigatória nave ou cidade extraterrestre,
adormecida desde há milhões de anos e que eles conseguem despertar do sono
eterno.

Os irmãos Cohen fariam a adaptação mais interessante, contando a história de
um personagem muito estranho que considerava o gelo como um santuário, e que
tinha perfeitas visões apocalípticas (que o filme retrataria com imenso
detalhe e prazer) perdido no meio das tempestades de neve.

(Para os entendidos, bastaria fazer uma adaptação fiel de _Antartida_ do Kim
Stanley Robinson, o trabalho seminal sobre essa zona do mundo, que será o
que mais próximo ainda temos de uma zona relativamente inóspita, inexplorada
e alienígena.)

Segundo o WorldWatch Institute http://www.worldwatch.org/alerts/000306t.html
as calotas polares estão a derreter de forma preocupante: «a camada de gelo
da Terra encontra-se a desaparecer a um ritmo mais elevado do que alguma vez
se verificou desde o início das medições», afirma Lisa Mastny. Os números
referem-se a um decréscimo de área de gelo no Ártico de 6 porcento entre
1978 e 1996, o que representa 34300 quilómetros quadrados (uma área Maior
que a Holanda) por ano. A Antártida, que representa 91 porcento do gelo
terrestre, perdeu na última década três massas de gelo: Wordie, Larsen A
e Princípe Gustavo, encontrando-se mais duas em retracção.

Igual situação se verifica para os glaciares das montanhas, provocando um
efeito mais preocupante, pois muitas comunidades dependem deles para
abastecimento de água potável - como a capital do Perú, Lima.

O artigo apresenta uma tabela fascinante, e muito completa, das evidências
recolhidas. Dos vários lugares no mundo, o que mais se aproxima de nós serão
os Alpes, cuja área global se verifica ter encolhido em cerca de 40 porcento
e o volume reduziu-se em mais de 50 porcento desde 1850.

Referências da TecnoFantasia: _Glaciar_ do dito Kim Stanley Robinson sobre
um futuro urbano passado numa idade do gelo. E _Ice_, o único livro de Anna
Kavan, uma história obcecada de uma terra e uma alma soterradas no gelo:

      And through the drifts the snowy clifts
      Did send a dismal sheen:
      Nor shapes of men nor beasts we ken -
      The Ice is all between.

                         --oOo--

<> NEM TUDO O QUE SE PREVÊ ACONTECE

Uma das primeiras vítimas inesperadas da guerra da internet é a do gestor de
canais PointCast, que inaugurava, há cerca de três anos, a tecnologia Push.
A tecnologia tinha por base o envio para o utilizador da informação, sem
esperar que este a pedisse, terminou pelos motivos menos virtuais da
história: falta de verba.

                         --oOo--

<> A GUERRA DO FOGO

Numa semana marcada pelas discussões nacionais em torno do aumento dos
preços dos combustíveis, a OPEP - Organização dos Países Produtores de
Petróleo - decidiu retomar as negociações sobre o futuro do abastecimento ao
mundo ocidental. Está em causa a questão do aumento dos preços acompanhado
de uma redução da produção contra precisamente o inverso.

                         --oOo--

<> JÁ SE FAZEM FILMES NO ESPAÇO

Foi adiado o início das filmagens de «A última viagem», a narrativa de um
cosmonauta que se recusa a abandonar o espaço após o encerramento da estação
espacial em que se encontrava sediado. O facto inovador nesta notícia
perfeitamente banal é que as filmagens terão lugar a bordo da Mir, a estação
espacial que a Rússia colocou à venda. O motivo encontra-se, segundo notícia
da CNN, no facto de as condições do contrato do actor principal Vladimir
Steklov não terem ainda sido cumpridas, o que implicitamente deve significar
que os montantes acordados não conseguiram convencer o actor a iniciar o
treino de cosmonauta e arriscar a vida.

Numa era de investimento maciço em efeitos visuais, digitalização e
virtualidades, é recompensador verificar que o património da corrida ao
espaço pode ser aproveitado para fins culturais.

                         --oOo--

<> BREVÍSSIMAS

+ Os organizadores da conferência NetMedia conduzida anualmente em Londres
lançam um conjunto de prémios para distinguir a qualidade de jornalismo na
internet

+ Os criadores de South Park (Trey Parker e Matt Stone) são acusados de
vulgaridade na internet, na sequência do acordo da Shockwave em
disponibilizar on-line um conjunto de obras de animação elaboradas com a sua
tecnologia, e que envolve outros nomes como Neil Gaiman - as acusações, na
verdade, foram efectuadas pela própria empresa, que afirma que as 39
curtas-metragens são ainda mais arrojadas do que o filme de desenhos
animados, passado recentemente no Fantasporto. Embora não esteja em causa a
censura das obras, porque segundo o acordo os autores tinham liberdade
criativa, os executivos da Shockwave estão a debater se deverão cobrar o
download dos desenhos animados, como forma de impedir o acesso pelos menores
de idade: uma atitude algo nobre mas que obviamente se preocupa mais com os
pais do que com as crianças, que têm acessíveis um conjunto de vícios e
níveis de linguagem em qualquer escola secundária, piores do que tudo o que
se possa encontrar na net.

+ Lycos entra na corrida ao desenvolvimento de _startups_, anunciando esta
semana o seu novo método LycosLabs como acelerómetro do negócio. As empresas
escolhidas entre as centenas de ideias propostas terão ao seu dispor
financiamentos, logística administrativa, ferramentas tecnológicas e apoio
da equipa de gestão da Lycos. O «laboratório» irá apoiar cerca de 12
startups por ano, que apresentem a melhor combinação de tecnologia,
conteúdo, atitude de mercado e contributo para a comunidade. Lycos junta-se
assim a empresas de renome internacional como a Andersen Consulting
(orçamento de 200 milhões de dólares), a Deloitte Consulting (100 milhões) e
a PriceWaterhouseCoopers (100 milhões), no apoio ao desenvolvimento do
e-Business. Site: http://www.lycoslabs.com

+ Estudos demonstram que pensar prejudica a eficiência da condução. Análises
efectuadas ao movimento ocular de diversos condutores, que durante percursos
definidos iam praticando diversos exercícios mentais, revelam que a atenção
muda consoante o nível de raciocínio e cálculos mentais. "Parece que durante
essas tarefas de visualização o olho congela e a visão periférica diminui, o
que afecta a percepção do que o rodeia. Quando a visão periférica se reduz,
também diminui o uso do espelho para avaliar o tráfego circundante e isto
torna mais difícil detectar as mudanças no tráfego", disse um dos
investigadores. "O nosso estudo mostra, pela primeira vez, que efectuar
cálculos mentais enquanto se conduz pode levar algumas pessoas a prestarem
menos atenção à estrada e a colocarem-se em Maior risco de acidente",
referem os psicólogos envolvidos, acrescentando que, no entanto, algumas
actividades secundárias, como ouvir música, podem ter efeitos benéficos.
EVENTOS, habituado a conduzir todos os dias nas estradas portuguesas,
abstém-se de comentários...

+  A SIC comprou a Maioria do capital do Canal de Notícias de Lisboa (CNL) e
vai criar dois novos canais para a TV Cabo, o SIC Gold e o SIC Radical. Em
colaboração com a PT Multimédia irá ainda desenvolver em conjunto conteúdos
na Internet, e portais.

+ A companhia sueca de telecomunicações Ericsson vai colocar em Maio, no
mercado português, telemóveis com possibilidade de acesso à Internet,
afirmou o presidente da subsidiária portuguesa, Eduardo Restuccia. Este
serviço junta-se assim à tecnologia WAP já oferecida pela Telecel e Optimus,
cujo melhor serviço na praça deverão ser as informações económicas do Portal
de Negócios.

                         --oOo--
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|                Site Recomendado da Semana                    |
|                 MAGANIZE «O HERMENAUTA»                      |
|               http://www.hermenaut.com/                      |
| (particular atenção para o artigo sobre a vida e obra de     |
|  Philip K. Dick, e a origem das paranoias sobre a realidade) |
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A ARQUITECTURA DO POSSÍVEL
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<> O SEU BROWSER AGRADECE

Navegar na Internet é como ir à praia: para apreciar melhor o mergulho
profundo no mar do conhecimento, nada como levar equipamento de qualidade,
alguns «extras» que podem fazer falta, e claro está, protecção solar.
+ EvenBetter Express: procura em várias lojas virtuais o item de que está à
procura, e devolve listas com comparação de preços e serviços. Crítica: as
lojas têm de estar registadas para ser reconhecidas, e a procura por item
nem sempre é eficiente
+ Flyswat: mapa para ajudar a viagem, estabelecendo links e definições para
qualquer página web
+ SurfSaver: grava uma cópia da página no disco de forma a manter disponível
a informação em qualquer momento
+ GoZilla: gestor de downloads eficaz e divertido - berra quando o download
acaba.
+ Window Washer: para quando o passeio termina, limpa aqueles horríveis e
inúteis ficheiros temporários do Windows que nos obrigam a comprar
computadores com mais memória.

                         --oOo--


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O QUE SABEMOS HOJE E NÃO SABÍAMOS ONTEM
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<> WORKSHOP DE APRENDIZAGEM

O termo «academia» é de origem grega: originariamente, designava um olival
nos arredores de Atenas, anexo a um bosque consagrado ao herói Academo, onde
Platão dava aulas aos seus discípulos. A academia platónica teve o seu auge
de 385 a.C.  a 529 d.C., mas iria caír no esquecimento para só ser
recuperada nos séculos XIII e XIV, tendo mais tarde proliferado na Itália do
Renascimento.

A sua forma mudou ao longo dos anos, e não se pode dizer, a bem da
exactidão, que a academia de Platão seja a precursora das actuais
universidades, embora seja de facto a origem da ideia - a sua essência era
tipicamente ateniense: um local calmo, delicioso, com alamedas cheias de
sombras e um ginásio, propício ao raciocínio e contemplação. Ninguém pagava
propinas, mas Platão, que vivia por perto e frequentemente ensinava os
filhos dos ricos e famosos, vivia das suas oferendas. A atmosfera bucólica
da academia atraía os jovens, que permaneciam cerca de três ou quatro anos,
antes de encetarem novos rumos.

A academia do Renascimento, que receberia os filhos dos nobres, e assim
conquistaria legitimidade, iria, com o passar dos séculos, conferir
legitimidades aos bisnetos dos primeiros alunos, tendo-se tornado a
instituição de ensino preferencial da idade moderna. Para tal, contribuiram
as suas características intrínsecas, que se foram acentuando: espírito de
elite, direito de escolha e admissão dos alunos, provas rígidas, trabalho
árduo, isolamento do mundo, capacidade de tornar os miúdos em homens como
complemento das instituições militares. Igual necessidade de protecção do
conhecimento (como fonte de riqueza) encontra-se em civilizações de tradição
não helénica, como por exemplo a japonesa, e os seus templos cheios de
sábios e anciãos.

Os tempos mudaram e estão cada vez mais a mudar. O conhecimento não se
encontra escravizado, mas está acessível a todos, e a academia também. Na
Internet.

Cursos On-line? Universidades Virtuais? Existe qualidade no serviço
fornecido?

A resposta é complicada, embora os especialistas recomendam que ainda não.
Existem bastantes cursos online, e alguns de boa qualidade, pelo que a
questão do conteúdo não se coloca. E o ensino à distância é uma forma de
aprendizagem tão legítima como qualquer outra, embora a capacidade das
tecnologias até então existentes (correio e telefones) dificultassem a
aprendizagem e comunicação entre professores e alunos, e impedissem a
comunicação secundária, mas muito importante, que ocorre entre os próprios
alunos. A interactividade é a palavra-chave das novas tecnologias do e-mail
e dos chats, e quando se alia à informação, disponível ad nauseum de forma
online, encontra-se uma sombra da intenção original de Platão.

Podemos considerar eventualmente que a própria internet, num todo, é uma
verdadeira universidade, ou biblioteca de universidade, como sempre
gostaríamos que existisse: infinita, irreal, com as mais variadas
disciplinas ao nosso dispôr sem censuras ou dificuldades de acesso.

Claro que a questão que ainda se coloca é a da legitimidade. Um curso vale
publicamente pelo renome da universidade, e esta pelo currículo dos
professores que leccionam e dos ex-alunos que actualmente são pessoas de
sucesso e influentes na vida civil.

Mas as universidades sempre foram um meio em que a qualidade é difícil de
controlar, em que cada professor, com o seu próprio entendimento da matéria
e a sua capacidade mais ou menos eficaz de ensinar, levam a que turmas
diferentes do mesmo curso e ano tenham resultados finais divergentes; num
meio em que os cursos são mais ou menos estanques, e que as necessidades de
logística e a cultura dos meios académicos conduzem à dificuldade de acesso
dos educandos; num meio sem ligação prática à vida económica, sem um
planeamento cuidado das necessidades do país em termos profissionais a uma
escala de cinco ou dez anos (um planeamento que, embora necessário, se
reconhece que é difícil num mundo em constante mudança tecnológica e
internacionalização da força de trabalho) - a urgência dos cursos online
torna-se cada vez mais imprescindível.

De novo serão as grandes instituições de ensino a conferir a legitimidade
necessária. Existem já algumas parcerias entre universidades para criar um
serviço de ensino on-line. Serviço bastante prático para a Maioria dos
adultos que, embrenhados no dia-a-dia de um emprego e de uma família,
dificilmente (ou com grandes custos pessoais) se motivam para tirar cursos
de forma a satisfazer a curiosidade ou enriquecer a personalidade. Um desses
casos será a Cardean University , uma universidade
recente estabelecida, que faz parte da empresa UNext.com. (Não faço
comentários sobre a verdadeira motivação de alguns adultos estar
precisamente na possibilidade de «esquecer» o trabalho e a família durante
algumas horas - para estes haverá sempre a universidade tradicional.)

Obviamente no caso dos jovens, alguns receios nos ocorrem de imediato, como
a perda da riqueza do convívio académico (marcante na vida de qualquer
jovem), e o crescente isolamento da nova geração, já de si demasiado
«agarrados» ao computador.

Mas os receios são infundados: como em todas as evoluções, chegar-se-á a um
compromisso. A universidade real não irá desaparecer: continuará a ser
regida pelas mesmas regras e números clausus, pela cultura hermêtica que
detém há séculos. O que poderá mudar será a possibilidade de acesso a mais
informação, a artigos, livros e registos visuais sem o incómodo da reserva
de exemplares na biblioteca, o custo de compra na livraria, ou a
impraticalidade das fotocópias - e que possa finalmente aumentar o nível de
aprendizagem dos jovens sem custos elevados à sociedade: convenhamos que
para muitas famílias, enviar os filhos à faculdade encontra-se acima da sua
capacidade financeira: é mais barata a ligação à internet do que pagar
viagens e estadas prolongadas em outras cidades e países.

E quanto ao convívio? O que tenho notado não é uma diminuição mas um
aumento, através dos mails e dos chats. A nossa geração comunicou menos
entre si por haver telefone? Os jovens têm uma capacidade fabulosa de
integrar a tecnologia no seu processo de crescimento e socialização - é
apenas mais um meio à disposição.

No entanto, enquanto não chegam em força as universidades virtuais, EVENTOS
recomenda o site HOW STUFF WORKS ( http://www.howstuffworks.com ). Trata-se
de um mini-workshop com uma variedade imensa de cursos e manuais
interactivos, alguns dos quais indicamos a seguir. Leves e divertidos, e no
entanto educativos.

+ Como Funcionam as Câmaras de Focagem Automática:
http://www.howstuffworks.com/autofocus.htm
+ Como Funcionam os Passaportes: http://www.howstuffworks.com/passport.htm
+ Como Funciona um Jantar Estatal: How a State Dinner Works -
http://www.howstuffworks.com/state-dinner.htm (os truques e esforços de
preparação de um jantar oficial de Estado, na Mansão do Governador da
Carolina do Norte)
+ Como Funciona a Física do Futebol (Americano):
http://www.howstuffworks.com/physics-of-football.htm
+ Como Funciona o Dia de St. Patrick:
http://www.howstuffworks.com/saint-patrick.htm (exploração da lenda e
história de St. Patrick, o famoso santo irlandês)

                         --oOo--

<> O MUNDO É UMA TEIA DE LIGAÇÕES

_Connections_ é a coluna mensal de James Burke na revista «Scientific
American». No espaço reduzido de uma página, Burke, tendo por base um tema
ou ideia, elabora uma teia de relações e conexões entre individuos,
descobertas e tecnologias, e conduz-nos numa viagem por um mundo e uma
História em permanente interacção - e no fim traz-nos sempre de volta a
casa, o ponto de partida. Encontra-se disponível na internet, no arquivo da
revista - embora se recomende a leitura no papel, a publicação virtual ganha
valor pelos links a outros artigos, sites e referências, enriquecendo a
leitura e a descoberta.
Fica aqui o endereço da coluna do mês de Abril, sobre música aquática:
http://www.sciam.com/2000/0400issue/0400connections.html

                         --oOo--

<> ALGUMAS DAS MAIS RECENTES DESCOBERTAS CIENTÍFICAS

Ciências do Comportamento: http://www.scicentral.com/B-behavs.html#articles
> As Expressões Faciais são Contagiosas
> Analistas Afirmam Conseguir Prever a Estabilidade no Casamento com 87
porcento de certeza

Bioquímica: http://www.scicentral.com/B-bioch.html#articles
> Descoberto Método como Bactérias Resistentes se protegem da Penicilina
> Cientistas Constroem Modelo Molecular Interactivo da Proteína Kinase GRK2

Biotecnologia: http://www.scicentral.com/B-biotec.html#articles
>Novas Descobertas na luta química contra o Cancro
> Usando Enzimas Especiais, Cientistas Exploram Meios para Transformar
Resíduos de Biomassa num Substituto da Gasolina

Evolução e Paleontologia: http://www.scicentral.com/B-evolut.html#articles
> Mutação Provocou Surgimento da Linguagem
> Cálculos Recentes Mostram Possibilidade de Vida ter-se Originado em Gases
Vulcânicos

Ciência e Tecnologia da Alimentação:
http://www.scicentral.com/B-foodsc.html#articles
> Alimentação do Futuro

Microbiologia: http://www.scicentral.com/B-microb.html#articles
> Enzima de Bactéria Pode Servir como Detector de Drogas

Genética: http://www.scicentral.com/B-molbio.html#articles
> A Genética do Envelhecimento: Novo Estudo Revela que Erros na Divisão das
Células Podem Estar na Sua Origem

Astronomia: http://www.scicentral.com/S-astron.html#articles
> Dia 6 de Abri, Jupiter, Saturno, Marte e a Lua Oferecem Espectáculo
Celeste
> Anãs Castanhas Descobertas
> NASA Cancela Mars Lander de 2001
> Hubble Fotografa Espirais de Pó ao Redor de Buracos Negros

NanoTecnologia: http://www.scicentral.com/E-nanote.html#articles
> Descobertos Novos Magnetos Moleculares

Doenças Infecciosas e Epidemologia:
http://www.scicentral.com/H-infect.html#articles
> Micobactéria não-tuberculosa Ocasionalmente Transmitida em Piscinas
Cobertas

Astrofísica e Relatividade: http://www.scicentral.com/P-astrel.html#articles
> Novas Fronteiras da Astrofísica: Ver ao Longe Através de Neutrinos
> Novas Observações do Interior do Sol Revelam Novas Perspectivas na
Actividade dos Campos Magnéticos
> Galáxias e Buracos Negros Desenvolvem-se em Parceria
> Pulsares «Anómalos» São Também Estrelas de Neutrões

Física de Plasmas: http://www.scicentral.com/P-atopla.html#articles
> Buraco numa Só Tacada: Buracos Negros do Tamanho de Átomos
> A Simetria de Esquerda e Direita

Ciência para os Jovens:
> Astronomia: Manchas Solares e o Ciclo Solar:
http://www.scicentral.com/K-12/K-astron.html
> Invenções e Inventores: http://www.scicentral.com/K-12/K-invent.html
> Matemática: Páginas de Geometria:
http://www.scicentral.com/K-12/K-maths.html
> Fenómenos da Natureza: Cristais de Neve:
http://www.scicentral.com/K-12/K-weathe.html

A Vida dos Cientistas
O Projecto Galileu: este site oferece um olhar íntimo sobre a vida de
Galileu «Pero Si Muove» Galilei e sobre a sua filha Maria Celeste
http://es.rice.edu/ES/humsoc/Galileo/ ).

FONTE: Portal de Ciência ( http://www.scicentral.com/ )

                         --oOo--

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EVENTOS & E-VENTOS
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<> FILMES DA SEMANA

A grande estreia é sem dúvida de _The Green Mile - À Espera de um Milagre_,
do grande senhor Stephen King, com Tom Hanks no papel do polícia que vai ter
de debater questões morais e ir contra o seu sentido profissional para
compreender a existência do estranho prisioneiro... O livro que serve de
base ao filme, para quem não saiba, foi o grande triunfo do senhor King no
ano longínquo de 1996: tendo desafiado a sua editora de que era possível
publicar um livro em fascículos mensais (uma tradição tão antiga como
Dickens), e mesmo ter sucesso na medonha indústria editorial dos EUA, King e
editora encetaram uma colaboração que envolveu enormes campanhas
publicitárias e uma organização fantástica de distribuição para colocar
disponível em todos os pontos do país os vários fascículos da obra, no dia
marcado para o lançamento. A obra foi _The Green Mile_, a melhor do autor
até hoje, e todos (!) os fascículos do livro entraram para o Top Ten de Nova
Iorque.

Também estrearam: _Hurricane_, com Denzel Washington, vencedor do Globo de
Ouro para Melhor Actor de 1999, que conta a história de um boxeur vítima de
racismo, e _Tarde Demais_, de José Nascimento, baseado em factos reais sobre
um conjunto de pescadores que se afundam no Tejo.

                         --oOo--

<> AS VIAGENS DE GALILEU

Não se trata de quem estão a pensar. Falamos da sonda Galileu, enviada em
1989 em direcção ao planeta que o astrónomo italiano estudou há mais de
quinhentos anos. A sonda chegou ao planeta seis anos depois, (tinha já
terminado a chuva de cometas que atingiu o manto gasoso de Jupiter) e desde
então tem enviado continuamente dados e registos sobre medições efectuadas
no sistema joviano.

Júpiter é o Maior planeta do sistema solar, com uma massa calculada como 318
vezes a da Terra; apresenta uma atmosfera densa de metano e hélio, e uma
rotação extremamente rápida (o dia dura quase 10 horas terrestres), o que
causa a sua forma achatada nos pólos. É rodeado de cinturas de radiação e
partículas de elevada energia, e por 16 satélites, quatro dos quais são os
famosos Ganímedes, Io, Europa e Calisto, cada um apresentando um aspecto e
«personalidade» bastante vincados e distintos entre si. Numa encarnação
anterior, Júpiter foi um deus, respeitado e adorado à distância, sopremo
senhor do panteão romano, deus da luz, do raio, da chuva, do céu, do trovão,
da guerra, protector do direito e da verdade, protector máximo dos Latinos e
de Roma - nessa época ninguém se atrevia a enviar-lhe sondas para ser
estudado ao mínimo pormenor, e o mais que faziam era combinar-lhe
«arranjinhos» com belas terrestres, das quais viriam depois a ter
semi-deuses bastardos.

Júpiter já foi transformado em estrela, utilizado como material de
construção de esferas Dyson e mundos-anéis, colonizado em todas as suas
luas, embora sirva mais frequentemente como ponto de trampolim no salto para
fora do sistema solar.

Daí que se torne extremamente interessante ficar a conhecer mais pormenores
da viagem de Galileu, no debate a decorrer durante o fim de semana no
Observatório Astronómico de Lisboa, na Ajuda, o Informal Júpiter Workshop.
Reunindo mais de uma dezena de cientistas de cinco países, ligados à missão
da sonda, trata-se de uma conferência a porta fechada. Contudo o público
poderá participar hoje, sábado, às 21 horas, num encontro a decorrer no
Planetário de Lisboa. Ashwin Vasavada, da universidade da Califórnia, e Adam
Showman, do Ames Research Center, da NASA, falarão acerca da missão Galileu.

                         --oOo--

<> AGENDA INTERNACIONAL

+ Convenção de Star Trek: 31 Março a 1 Abril - a grande reunião
internacional
de fãs e actores de Star Trek, na sua oitava edição, em Pasadena, na
California. No mundo virtual, decorre em http://www.creationent.com/

+ O Futuro do Conteúdo: 1 Abril - simpósio executivo sobre a indústria da
cultura; apresenta um conjunto de mesas-redondas interactivas sobre o
efeitos da convergência dos meios de comunicação no cinema, televisão,
música, mundo editorial, multimedias, e internet. Na Stanford Graduate
School of Business, em Stanford, na California.
Mais informações em http://www.futureofcontent.com

+ Internet World - edição da primavera: 3 a 10 Abril - o mundo dos negócios
da
internet reúne para exibir novas soluções de fornecimento de serviço e
formas de conduzir e-Businesses. Comporta sessões sobre música na Internet,
viagens, comércio electrónico. Participação de Steve Jovs, CEO da Apple, bem
como elementos da Intel, IBM, AT&T e UUNet. No Los Angeles Convention
Center. Mais informações: http://events.internet.com/spring2000/index.html

                         --oOo--

<> LUCIUS SHEPARD AO VIVO

Autor de maravilhosos contos e romances de TecnoFantasia, famoso pelas suas
crónicas sobre uma futura guerra entre os Estados Unidos e a América
Central, fantasista de renome com contos como «The Jaguar Hunter» e «The
Ends of the Earth», Lucius Shepard encontra-se agora disponível em versão
áudio na internet, tendo colaborado com o músico avant-garde Elliot Sharp
para criar a belíssima experiência que é Mengele.

Mengele conta a história de um piloto que descobre um terrivel mistério no
interior das florestas tropicais do Paraguá.

O estilo lânguido de Shepard faz lembrar-nos Luís Sepúlveda e as suas
descrições da Patagónia, mas com fervor e a imaginação de um realismo mágico
natural da região.

Endereço: http://www.scifi.com/set/readings/shepard/

                         --oOo--

<> BREVÍSSIMAS

+ Chris Columbus, realizador de _Sózinho em Casa_, aceita dirigir a
adaptação de _Harry Potter_ para o cinema

+ Enredo do Matrix 2 revelados: Trinity (a bela Carrie-Anne Moss) pode ser
ou não uma agente dupla, sendo raptada no início do filme e levada para uma
realidade virtual alternativa, obrigando Neo (Keanu Reeves) a segui-la
dentro da Matrix; fica a promessa de efeitos mais complexos e visualmente
espantosos, de uma aposta que valeu aos produtores um conjunto de Óscares e
a William Gibson a (talvez) remota satisfação de ter dado início a tudo isto

+ O trailer de _Overload_, um filme independente de Ficção Científica do
actor Bill Mumy (Babylon 5), foi lançado no seu site oficial:
http://www.galaxyonline.com/News/Entertainment/OVERLOAD_01.htm

+ Dean Devlin and Roland Emmerich (produtores de _Godzilla_) vão produzir
_Arach Attack_, uma comédia de ficção científica sobre aranhas gigantes.

+ _Undone_, uma história de fantástico sobre um homem perseguido pelo
fantasma do anterior marido da sua nova esposa, encontra-se a ser
desenvolvida pela Walt Disney, tendo por base uma ideia de Seth E. Bass e
Jonathan Tolins.

+ Escola Cristã de Inglaterra (St. Mary's Island Church of England) proíbe a
leitura e aquisição dos livros de _Harry Potter_ de J.K. Rowling,
argumentando que não seguem os ensinamentos bíblicos.

+ Os Aliens, os Predadores e os Exterminadores vão encontrar-se numa batalha
de gigantes titânica, uma banda desenhada que a Dark House vai publicar, em
quatro volumes, brevemente.

+ O terceiro episódio da série _Parque Jurássico_ vai começar filmagens na
ilha havaiana do Maui, ao contrário do que tinha sido anunciado (Nova
Zelândia). Um filme que se espera ter mais história do que os primeiros, uma
vez que o argumento se encontra a ser desenvolvido por William Goldman (_The
Princess Bride_, _Butch Cassidy and the Sundance Kid_)

+ Destaque para o site do filme _Sexto Sentido_, inaugurado conjuntamente
com o lançamento do filme nas versões DVD e VHS, e que contém um manancial
de informação sobre o sobrenatural e as próprias filmagens. Particularmente
interesssante é a exibição integral do argumento interactivo do filme, com
um arranjo gráfico atmosférico e de muito bom gosto, em que os leitores
devem tentar descobrir as chaves para os «segredos» da história - segredos
que parecem relacionados com os próprios personagens. Um dos melhores
exemplos de como se pode contar uma história com meios multimédia. Endereço:
http://video.go.com/thesixthsense/offerings/index.html

+ Exterminador 3 e 4? De acordo com o jornal _The Hollywood Reporter_, os
argumentos encontram-se a ser desenvolvidos, embora ainda não tenham sido
escolhidos nem elencos nem realizadores.

                         --oOo--

(esta edição continua no próximo e-mail)

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(c) 2000 Luis Filipe Silva ( http://www.LuisFilipeSilva.com )
    Email: [email protected]
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Se desejar deixar de ser assinante, devera enviar uma mensagem em branco
para
                [email protected]


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                        E V E N T O S

                  Revista de TecnoFantasia

< http://www.geocities.com/simetriaEVENTOS >
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Nº 2.06    publicação semanal e gratuita        1 Abr. 2000
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Coordenação: Luís Filipe Silva
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   (Mensagem 2 de 2)

FICÇÕES E CONFISSÕES

CONTEÚDO


TRÍPTICO: A PAIXÃO DE UM IMORTAL, por Luís Filipe Silva
UM MERGULHO AO ANOITECER, por Jorge Candeias
UMA TURISTA DE OUTRO MUNDO, por Luís Miguel Sequeira (Parte 2 de 8)


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Concurso de Ficção EVENTOS

1. EVENTOS vem por este meio dar a conhecer que se encontra aberto o
Primeiro Concurso de Ficção Primavera 2000.

2. Poderão concorrer todos os autores de qualquer nacionalidade com qualquer
número de obras, desde que respeitem as normas de conteúdo e submissão de
textos explicadas noutros números do regulamento. Encontram-se excluídos
elementos da equipa de EVENTOS.

3. Apenas serão aceites obras de ficção com tamanho entre 2000 (duas mil) e
8000 (oito mil) palavras, estarem escritas em português, e respeitarem o
espírito da TecnoFantasia ou qualquer das suas outras manifestações: Ficção
Científica, Fantasia, Fantástico, Terror, Horror, Realismo Mágico,
Surrealismo, História Alternativa, Ciberpunk.

4. As obras deverão ser enviadas obrigatoriamente com a identificação
completa do(s) autor(es): nome completo, nome literário, morada, número de
bilhete de identidade (ou equivalente no país de origem), telefone de
contacto, e-mail(s).

5. Cada obra deverá ser enviada como mensagem de e-mail («plain text»), sem
formatações, directamente no conteúdo do texto, com identificação correcta
do título e do autor no início do texto, e indicando no «Subject/Assunto» o
título da obra. Não serão aceites ficheiros em attach.

6. Se o comprimento da obra e as limitações do sistema o obrigarem, a obra
pode ser dividida em várias mensagens de e-mail sucessivas, desde que
perfeitamente identificadas no «Subject/Assunto» com a indicação do número
de ordem da mensagem, e do número total final (ex: «Msg 2 de 5»)

7. Num mesmo e-mail não deverão constar mais do que um, ou parte de, um
único conto. Se o(s) autor(es) pretender concorrer com mais do que uma obra,
deverá individualizar cada um dos seus contos com um e-mail ou grupo de
e-mails distintos e perfeitamente identificados.

8. No caso de divisão da obra em várias mensagens, a identificação do(s)
autor(es) deve constar do e-mail inicial de cada conto.

9. As obras deverão ser enviadas para o email [email protected]
até às 24h de 30 de Abril de 2000, hora de Lisboa.

10. O júri é composto unica e exclusivamente por membros da equipa de
EVENTOS.

11. Do concurso será apurado um único vencedor e até um máximo de 3 menções
honrosas, sendo anunciado na EVENTOS até 31 de Maio de 2000.

12. O jurí poderá deliberar não entregar nenhum dos prémios caso não se
verifique haver um mínimo de qualidade aceitável.

13. O primeiro prémio receberá um vale de compras (gift certificate) na
Amazon.Com no valor de USD 25 (25 dólares), e será publicado na EVENTOS em
data a anunciar. As menções honrosas terão como prémio a publicação na
EVENTOS em data a anunciar. O júri reserva-se no direito de sugerir a
publicação de contos que assim o mereçam.
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TRÍPTICO: A PAIXÃO DE UM IMORTAL


Luís Filipe Silva



    *Painel da esquerda*

Ele é um estranho. Continua um estranho, desde que nos conhecemos, essa
condição não mudou. Costumava pensar o contrário; iludi-me, ao imaginar que,
com um bocadinho de paciência, e um carinho à mistura, aquela casca dura
ir-se-ia quebrar, e eu poderia observar o interior, perceber quem era o
homem que eu amava, fazer com que uma parte sua se tornasse minha para
sempre.

Não que em certa medida isso não tenha acontecido. Mas a parte foi escolhida
por ele: a mesma que mostra a todos, no dia-a-dia, um ar de indiferença
calculada, ocasionalmente envolvendo-se em assuntos mais delicados, mas
nunca com paixão, nem por muito tempo; retira-se mal note que o envolvimento
se torna demasiado pessoal, ou quando pensa que está a mostrar muito de si
próprio. Oxalá ele não fosse assim. Eu sei que ele tem capacidade para dar,
e para receber, mas teme. Teme viver. Teme sentir. E não percebo porquê.

Alguma coisa aconteceu no seu passado, no cofre inexpugnável que jamais me
deixará vasculhar. Tão terrível, que o persegue nos sonhos. Ele tenta fugir
mas não consegue. De noite, murmura no sono, palavras inacabadas mas cheias
de dor; não consigo percebê-las, mas parecem ser quase sempre as mesmas - e
há um nome, um nome continuamente repetido: Carolina. «Então, é uma
mulher!», pensei, quando o ouvi pela primeira vez, imaginando logo que me
estaria a traír. Mas os dias passaram, eu seguia-o, e nada acontecia. Ele
não me estava a traír, amava-me; isso podia perceber eu, instintivamente.
Uma mulher sabe. Cheguei, portanto, à conclusão que era assunto do seu
passado. Mas, se era, porque não me contava nada? E o que seria tão forte
que, mesmo após dois anos de estarmos juntos, ainda o fazia dormir com
aquele nome na boca - e a inquietação constante, os longos períodos de
choro, e o acordar no meio de gritos?

Espicaçada pela curiosidade, efectuei uma pequena pesquisa por conta
própria. Fui ao Registo Civil e procurei a certidão de nascimento; queria
saber quem eram os pais, onde moravam - talvez pudesse ir falar com eles,
com alguém que o tivesse conhecido. Mas, surpresa minha!, não existia nada.
Nenhum documento. Nenhuma informação. Nem dele, nem de pais, irmãos, tios,
ou o que fosse. Tudo supostamente desaparecido durante um incêndio no
Registo, dez anos atrás. E nunca reposto por ele.

Sim, era estranho. Ele, nem Boletim de Saúde tinha. Nada, nada que indicasse
que estava vivo.

Mas, então, o que tinha ele que me fizera apaixonar? Já fiz essa mesma
pergunta a mim própria, muitas, muitas vezes. E quando tento dar uma
resposta, vou deparar sempre com a ocasião do primeiro encontro, a primeira
imagem que tive dele. Debruçado sobre um copo cheio de filosofia, num bar.
Atraíu-me, a sua figura magra, os olhos serenos e confiáveis, milenários,
como os do meu avô: repletos de sabedoria. E no entanto, perpetuamente
assustados, os de quem desperta num local que não reconhece e percebe que
está perdido. Simultâneamente jovem e ancião. Precisava de uma mãe, percebi
no próprio instante. Alguém que recostasse a cabeça dele no colo nos
momentos difíceis e a afagasse, em silêncio; alguém que suportasse as suas
explosões de fúria e não se queixasse; alguém que o podesse aconselhar e
compreender. Um apoio; uma medida de comparação e correcção: alguém a quem
pertencer. E eu quis protegê-lo. Suponho que, à minha maneira, também estava
a precisar de um filho.

Dois anos se passaram, e nada mudou... a não ser que se instaurou a rotina,
uma rotina doce, ao contrário do que seria de se esperar. Não casámos; ele
não quis. Deu uma desculpa parva, disse que era um artifício desnecessário a
quem realmente se ama. Argumento com o seu quê de romântico, não se lhe
negue... mas eu devia ter retorquido que o casamento é também uma forma de
exteriorizar esse amor, como o sexo; uma forma de garantir estabilidade e
segurança ao casal (não muito certas, com a quantidade de casamentos
falhados, hoje em dia, mas porque devíamos parar de tentar?). Não disse.
Conhecia bem de mais o tipo dele: fogem quando são pressionados. Precisam de
tempo, de paciência, como uma escultura delicada. Por isso aguentei e
aguardei; mas principio a suspeitar que não devia.

Porque um dia perguntei-lhe «Já foste casado?»

Começou com a manobra habitual de mudar subtilmente de conversa, sorrindo
como se para pedir desculpa - mas eu mantive a posição e perguntei de novo.

Acabou por responder que «Sim».

«E o que aconteceu?»

Suspirou; um suspiro muito profundo. «Ela morreu.»

«Ah. E... o nome da tua mulher era... Carolina?»

Voltou-se para mim como um animal selvagem. Estava furioso. «Nunca! Nunca
mais pronuncies o nome dela!»

É inútil dizer que isso me maguou muito. Ainda hoje não esqueci
completamente as suas palavras.

«Por que é que és tão teimoso, tão fechado?», gritei-lhe. «Por que é que
não queres ser feliz? A vida é tão curta, Raúl, tão curta!»

Ele não respondeu.


  *Painel Central*

Passei hoje pelo café e espreitei para dentro. Como esperava, encontrei-o.
Está sempre lá, de manhã à noite; é mais a sua casa de que o pequeno
cubículo onde realmente vive, numa praceta esquecida. Tem lá aqueles que se
podem passar por seus amigos, mas que são, na verdade, outros pedaços de
madeira que, por um acaso, a corrente mantêm aprisionados no mesmo local.
Bastará uma vaga mais forte, um sopro de vento, e desaparecerão, sem olharem
para trás, sem se lembrarem de onde estiveram, com quem falaram. A Maioria à
espera que os filhos os venham buscar, para num descargo de consciência, os
despejarem num lar sem porta de saída.

Esse futuro não parece ameaçar o meu amigo António. Gesticula, ri, e conta
histórias dos dias passados, com a sua voz de bagaço contrapondo-se aos
grunhidos dos companheiros sonolentos. A cadeira do balcão é o seu trono, e
o copo o seu ceptro real, com que abençoa o mundo. Não teme a mão
incompreensiva da sua filha, algures em França, porque recebe todos os meses
um gordo cheque, que lhe permite viver desafogadamente. Está contente,
porque tem uma filha que se lembra dele, e o estima, ao contrário dos outros
miseráveis. Se ele soubesse...

Gostaria tanto de entrar, de lhe apertar a mão, dar-lhe um abraço, começar
frases com «lembras-te...?», e ouvir respostas. Gostava de gargalhar de novo
por causa das suas anedotas, contadas ao seu jeito inimitável. Gostava de
fazer, só mais uma vez, o nosso acto de comédia à Bucha-e-Estica. E que
estivéssemos todos juntos de novo. Xavier, o Borbulhas, o Baltasar, o
Esgaza, o Zeferino, a Zita... meu Deus, éramos tão poucos? É possível que
sete pessoas constituíssem o meu mundo, e não precisasse de mais ninguém?

Agora, tu és o último, Toni. Até eu próprio desapareci; fui o primeiro.
Ainda te lembras de mim, do Magriço, que costumava ir contigo ir contar
pêtas às miúdas, dizer-lhes que eu tinha sido ferido na tropa, para que se
enchessem de pena (as que acreditavam) e saíssem connosco? Ainda te lembras
daquele que ficou ao teu lado quando a tua mulher fugiu com o primo, e que
te conduziu numa volta pela noite para afogar a tua mágoa?  Como tu gostavas
dela... o tanto que te esforçáste para a ter, o tanto que arriscaste. Ela
não gostava de ti, todos víamos isso. Mas há certas coisas que nem um amigo
pode dizer.

E depois choraste como um bezerro depois do meu acidente. Eu sei: vi as
fotografias. Não te podia, não vos podia dizer que tinha sido tudo
preparado, uma artimanha para que não estranhassem a minha ausência e não me
fossem procurar. Tinha de o fazer. Vocês próprios já mandavam piadas sobre o
facto de eu não querer envelhecer, de conseguir manter um aspecto jovem, já
corriam especulações que eu pintaria o cabelo e faria massagens e poria
cremes. Não eram mais brincadeiras inócuas; eu via-vos, com o cabelo a
escassear, as rugas a implantarem-se espontâneamente, os músculos a penderem
flácidos dos braços, e a barriga a inchar, e notava a inveja subliminar por
detrás das palavras. Tive de desaparecer, antes que estranhassem. Mas nunca
vos abandonei por completo. Devia: é mais fácil, a longo prazo. Mas com
vocês, não consegui. Convosco, fiquei até ao limite máximo a que me
permitia. Estou cansado de fazer amizades, e depois abandoná-las, sem razão.
De me limitar a passar pela vida, sem nunca poisar e permanecer. Mas não
tenho outro remédio.

Contigo, Carolina, agi de forma diferente. Foste a primeira, a especial.
Fiquei contigo até ao fim. Fiquei a ver a passagem dos anos gravarem
palavras no teu corpo, a ver o teu cabelo esbranquiçar e o espírito perder a
côr. Fiquei a apreciar a soberania com que atravessavas os dias, cada vez
mais lentamente, amadurecendo, ganhando experiência, pensando as coisas
antes de as concretizares. Contigo, aprendi o que era envelhecer, por muito
que tal me estivesse negado. Era uma condição física, não tanto psicológica.
Por dentro, permanecias a mesma. A companheira que eu amava. Que eu amo e
amarei sempre, o ideal de mulher que me é difícil encontrar em outras.
Jamais te esquecerei. Sonho contigo todas as noites.

Aprendemos juntos o meu segredo, lembras-te? Lembras-te do meu espanto
quando percebi que não envelhecia, que mantinha o aspecto dos meus trinta
anos, após os quarenta, após os cinquenta, enquanto tu soçobravas com graça?
Tivémos de fugir, para ninguém desconfiar: a minha primeira fuga. Como me
senti culpado de não seres como eu, não permaneceres jovem e eterna a meu
lado. Juntos, teríamos atravessado os séculos. Sabia que não te importavas;
mas a mim, sim, importava-me, afligia-me. Por ti, por mim, pelo que nos
fariam se descobrissem.

Oxalá te pudesse ter dado o filho que tanto desejavas... mas filhos é coisa
para os mortais, é a forma de garantirem a imortalidade dos seus genes. Os
meus nunca morrerão: não têem necessidade de serem transmitidos. É um dos
preços que terei de pagar, nunca sentir aquela criaturinha indefesa nos
braços, a berrar, e poder dizer que é minha.

Hoje, acendi uma vela pelo aniversário do nosso casamento, e orei por ti.
Recordei. Na volta, passei pelo café. Estava fechado, mas à porta sentava-se
o Toni, murmurando no torpor da bebedeira poesias de vento. A noite estava
gelada. Uma mágoa enorme invadiu-me o coração. Peguei nele, acordei-o,
conduzi-o a casa. Ele não via nada, estava imerso num universo próprio. Não
me reconheceu. Confesso que fiquei um bocado desiludido; julgo que,
inconscientemente, alimentava uma fantasia destrutiva de ser reconhecido e
descoberto. Mas a realidade é mais dura. Já não somos quem éramos.

E tu, Toni, não serás o último. Eu é que serei. Serei o último de todos os
grupos que me acolheram, serei aquele que vos chorará muito depois de os
vossos nomes terem sido entregues a estranhos, muito depois de o tempo ter
feito das vossas últimas moradas um repositório de pedra uniforme, e ao pó,
ao mar, às àrvores terem retornado. Serei o guardador das nossas anedotas
privadas, dos tiques, dos gestos, das manias pessoais de cada um. Serei o
último de vós todos; vou manter-vos vivos, através de mim, vou manter-vos
eternos. Perdoem-me. Não tenho outra escolha.


   *Painel da direita*

Entramos em casa, lado a lado. Ele pousa os sacos do supermercado que tem
vindo a carregar por mim, vira-se e dá-me um beijo dos antigos. Eu
correspondo, adoro que ele faça isso, mas também tenho vergonha. É tão novo,
e eu estou tão velha!... A minha boca está franzida, os dentes já não são os
meus, e não consigo mais aguentar tanto tempo num beijo apaixonado e
exigente. Canso-me, quebro a paixão, tenho de me sentar. Ele conduz-me
suavemente ao sofá, depois vai-me preparar o almoço. Eu sorrio com um
pensamento secreto. Aos olhos de todos, dizemos que somos mãe e filho, mas
já não é uma brincadeira, percebo que se tornou na verdadeira realidade;
somos mãe e filho com breves interlúdios de amor juvenil.

Devia ter-me abandonado, digo-lhe repetidas vezes, mas ele não aceita. Não
vê que eu já não consigo satisfazê-lo, que precisa de alguém jovem, alguém
como ele sempre será - ele responde que não precisa de sexo, precisa é de
mim, do meu amor. Mas não é isso que ele está a receber; o meu amor, a minha
presença, está a torná-lo velho por dentro, tanto quanto eu estou velha por
fora. Está a matá-lo na única parte de si que é perecível: a alegria de
estar vivo.

Prepara a mesa, comemos. É um serão agradável. Ele perscruta-me debaixo das
sobrancelhas, descobre-me a contemplá-lo e sorri. Sorrio também, mas não lhe
dou indicação alguma do que estava a pensar. Ele resigna-se e volta a comer.
Eu observo os seus movimentos, cautelosamente, registando cada um como um
instrumento afinado. Não perdeu nada da sua destreza, da sua fluidez, da
perfeita coordenação dos músculos. Os anos passaram por ele sem o tocarem.
Antes, foi refinado, tornou-se mais puro, mais seguro da sua pessoa.
Espantoso. Como será ele quando tiver duzentos anos, trezentos, mil? Que
pensamentos poderá ter, que coisas poderá ele ainda esperar da vida?
Intuitivamente, sei que deverá haver uma fase em que tudo lhe parecerá já
ter sido dito, feito, ou pensado, em que o passado e o futuro não serão mais
pontos de referência, mas tornar-se-ão numa mistura de memórias e
expectativas, tão difusas e vazias de propósito como parecerá a uma rocha no
meio de um rio a eterna corrente que insurge contra ela. Mas, uma vez
ultrapassada, o que haverá para lá dessa fase, para lá da monotonia? O que
haverá para lá da eternidade?

Fazemos amor, e é muito belo e muito suave. Ele tem um cuidado extremo
comigo, por vezes até excessivo. Depois afasta-se para o seu lado e
adormece, esgotado por me ter dado tanto e recebido tão pouco. Fico a olhar
para o seu rosto, iluminado por uma fatia de luar. É tão vulnerável!...
Precisa tanto de protecção, precisa que o amem, que o ajudem a lidar com uma
capacidade que não compreende. Toco-lhe ao de leve, passo os dedos pelos
lábios quietos. Para onde irás quando eu desaparecer? Quem te dará abrigo
nos séculos por vir, quando o mundo que tu conheças fôr substituído por um
outro, mais moderno, e de repente, ao acordares, não encontrares aquele
pequeno sinal de segurança que te prenda à tua identidade? Quem te dará
conforto quando tiveres medo?

Oxalá eu fosse como tu, pudesse atravessar contigo as eras. Tenho medo de
morrer; não por mim. Estou cansada, e quando a minha hora chegar, não irei
fugir. Mas tu... tu irás ficar sózinho, guardando com todas as tuas forças o
segredo da dádiva mais extraordinária que se pode oferecer a um ser vivo, e
nunca podendo partilhá-la com alguém.

Meu amor imortal, dorme esta noite. Tens tantas pela tua frente, e tão
escuras!...

(c) 2000 Luís Filipe Silva
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UM MERGULHO AO AMANHECER


Jorge Candeias


Abriu os olhos para o céu. Nuvens, duas ou três, cor de fogo como o fogo.
Estrelas, três ou quatro, cintilantes resistentes ao fulgor do horizonte. No
horizonte, o Sol, disfarçado de bago de laranja. Ela encheu o peito do ar
fresco da manhã. Sabia a ervas e a pólen mas não sabia a casa. Nem o céu
sabia a casa. Nem o Sol.

Ela passou os dedos pelos cabelos como quem afaga animais de estimação. Sim.
Os cabelos sabiam a casa, e naquele gesto privado havia o conforto de fazer
algo de básico, animal. Era uma atenção de uma parte do seu corpo para outra
parte do seu corpo. Era casa.

Deceu os olhos para o lago, lá muito em baixo. A água chamava-a num apelo
sem palavras. A água. Aquela substância que ali e então se apresentava quase
negra, vazia do Sol, vazia de luz. Mas cheia de uma vida adivinhada.

Tirou a túnica num gesto gracioso. Um gesto feminino. Um gesto que acentuava
a beleza do seu corpo. A harmonia do seu corpo. De todo o seu corpo. A
túnica caiu sobre a rocha nua. E o movimento era lento, tão lento que não
sabia a casa.

Baixou-se sobre a rocha nua e desapertou os fechos das sandálias. E os seus
pés moveram-se com a alegria das coisas recém-libertas e desceram sobre a
rocha nua. Então ela ficou nua.

Aguardou que o Sol chegasse ao lago. Aguardou que a vida chegasse à mãe da
vida. Aguardou que os receptores térmicos da sua pele lhe dissessem que sim.
Que a temperatura estava certa. Que a luz também. Que apesar de toda a
estranheza, havia um pouco de casa naquele lugar.

Sim, disse o seu corpo. E os músculos das coxas retesaram-se e
distenderam-se, impulsionando-a para a frente e para cima. Voou e sentiu-se
a voar, e isso era de tudo o que menos sabia a casa. Não saberia descrever o
vento que lhe sacudia o cabelo, ou os seios, ou os pêlos púbicos. Não
poderia explicar a perfeição do salto, ou como é sentir o movimento.

Nem encontraria maneira de compartilhar a entrada naquele meio estranho. Ali
não havia ar a não ser o ar que entrara consigo e que agora corria para a
superfície sob a forma de gotas. Uma imagem de espelho do que se passava do
outro lado do espelho, no sítio onde havia ar e não àgua. Centenas de gotas
entre o ar de um lado, centenas de gotas entre a àgua do outro, e no meio
estava ela. O entre era ela. O corpo dela.

Cada vez mais entre àgua que entre ar. Cada vez mais fundo. Cada vez mais
perto do fundo do lago.

As primeiras ampolas brotaram-lhe das mãos porque foram elas que primeiro
contactaram com a água. Mas logo lhe começaram a surgir pequenas
excrescências na testa, na face, nos seios, no tronco, nas pernas, por esta
ordem, do lugar mais exposto para o mais recôndito. Por todo o corpo, em
progressão rítmica. E quando finalmente chegaram às solas dos pés, já as
mãos estavam envolvidas noutra nuvem de gotas. Gotas de um líquido gasoso.
Um líquido amarelo, um gás esverdeado. E o lago começava a ficar azul.

Deu uma pirueta entre as gotas. Os pulmões pediam-lhe ar, a pele pedia-lhe
solidez, o corpo pedia-lhe repouso. Por isso ela deu um impulso com os pés e
voltou à superfície.

Ao nível do lago surgiu uma massa castanha cheia de pequenos orifícios
fumegantes. Ouvia-se uma infinidade de pequenos silvos como se ali cantasse
um coro de serpentes. Um orifício Maior surgiu de repente e ar foi aspirado
num gorgolejo. A massa fez alguns movimentos sem nexo aparente. De relance
puderam ver-se membros em rápida redução e toda aquela água sibilava,
agitava-se, fumegava. Três mil anos dissolviam-se em três minutos de agonia.

Depois de alguns movimentos desconexos à superfície, a massa castanha
afundou-se de vez. De cima, das rochas, podia ver-se uma coisa alongada a
desaparecer rapidamente no fundo do lago, deixando atrás de si uma esteira
de gotas e fragmentos de vida. Partiu-se uma última vez em duas metades, lá
bem no fundo, e desapareceu, uma metade e depois a outra.

O último pensamento dela foi um clarão de alegria. Morreu feliz, longe de
casa.

(c) Jorge Candeias
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UMA TURISTA DO OUTRO MUNDO

   Luís Miguel Sequeira

Parte 2 de 8


(continuação do Capítulo 1)

- Ah! - exclamou Duarte Nunes, exalando uma baforada nauseabunda de fumo
levemente esverdeado. - O nosso «Livro Azul»! Aquilo cuja existência nunca
consegui determinar através dos meus amigos nos Altos Estudos do Exército.
Eles bem que dizem que tudo isto não passa de blá-blá-blá dos americanos,
que inventam tudo e mais alguma coisa para vender livros e séries
televisivas! Mas eu cá com os meus botões nunca fiquei muito convencido; se
de facto existe vida extraterrestre - e eu estou convencido que sim - porque
raio é que os extraterrestres só visitam os americanos, como os filmes nos
pretendem fazer acreditar? Quanto a mim, sempre achei que se existem
divisões no aparelho militar americano que se dedicam ao estudo de OVNIs e
de sinais de vida inteligente - como a iniciativa SETI - também na velha
Europa os militares devem ter estruturas idênticas. Nem que seja porque
fazemos parte da NATO, que é modelada segundo o espírito americano, e temos
estruturas idênticas em muitos aspectos. Até o SIS - os nossos «serviços
secretos», se bem que sejam terrivelmente amadorescos - têm um grupo de
elementos que são treinados pela CIA e pelo MI5 e que reportam as suas
conclusões a estas organizações antes de as fazerem chegar ao governo
português... não sabias? - Paulo abanou a cabeça, evidentemente. - Mas é
verdade. Pois eu creio que as iniciativas como o «Livro Azul», o SETI, as
Majestics e semelhantes organizações têm de ter parceiros europeus. Não
fazia sentido se assim não fosse. Aliás, os militares portugueses têm uma
estrutura completamente à parte da vida civil, coisa que nós normalmente nos
esquecemos. Tu também cumpriste o serviço militar obrigatório, não foi?
Pois, agora chamam-lhe Serviço Efectivo Normal, mas é a mesma coisa que nos
meus tempos. E de facto os militares têm tudo em duplicado: telefones,
correios, transportes, e, claro, detecção por radar. De Montejunto
controla-se todo o tráfego aéreo militar e civil - a ANA por vezes pede
ajuda à Força Aérea quando têm problemas em controlar excesso de tráfego
civil. É por isso que este documento é interessante - mostra quais os canais
de comunicação entre entidades civis e militares no caso de observação de
fenómenos inexplicáveis, em particular, objectos voadores não-identificados.

- Sem dúvidas que é interessante, - disse o jovem detective. - Nem
suspeitava que existissem normas para estes casos. Mas, Dr. Nunes - o que é
que isto tem a ver connosco? Nós só investigamos casos que nos aparecem -
sim, eu percebi que a PJ também tem de comunicar os casos que investiga que
possam conter provas de vida extraterrestre a este Centro Nacional de
Observações Extraplanetárias ou lá como se chama - mas não nos passam casos
desses pelas mãos...

- Ah, mas o inverso também é verdade - o CNOE também pode requisitar
detectives da Judite como consultores ou observadores para assistir ou
auxiliar nos casos que achem necessário. Está algures por aqui... - Pegou no
dossier, folheando os documentos na pasta até encontrar a referência, que
mostrou a Paulo. - É isto: «Poderá o CNOE solicitar, sempre que necessário,
a colaboração de membros das entidades civis e militares referidas ao abrigo
deste protocolo, tanto em acções extraordinárias, como também como
observadores no Conselho Nacional para as Observações de Fenómenos
Extraplanetários». Este é um órgão que reúne esporadicamente os
especialistas da matéria. Pois é, meu caro Paulo, e a Judite faz parte desse
órgão, e fomos formalmente convidados para estarmos presentes numa sessão
extraordinária do dito Conselho. Escusado será dizer que a Judite não
percebe nada do assunto e fez chegar a convocatória ao nosso querido e amado
chefe...

Paulo abanou a cabeça.

- Não compreendo; que tipo de contribuição podemos nós dar? Não temos assim
muitos casos de OVNIs que alguma vez tenhamos investigado... aliás, não são
do foro judicial... quer dizer, o que nós apanhamos por aqui são mais os
casos de bruxas que lançam mau-olhado, os assassínios inexplicáveis, coisas
assim...

- Digamos que um extraterrestre cometia um assassínio. A PJ seria chamada a
investigar o caso. Não era assim?

Os olhos de Paulo arregalaram-se.

- Vamos investigar um assassínio cometido por um extraterrestre?? Mas...

- Era apenas um exemplo. Quero dizer que a PJ tem juridisção sobre actos
criminosos cometidos em território nacional, independente de quem os
cometer, seja o suspeito português, europeu, terrestre... ou extraterrestre.
Não é assim?

- Bem... tecnicamente, sim, claro...

- Por isso é que fazemos parte do dito Conselho Nacional. Para investigar
casos paranormais em que exista claramente violação da legislação em vigor.
Correcto?

Paulo assentou que sim.

- Bem. Vamos ao que interessa. - Abriu a pasta que trazia consigo e tirou
uma folha de papel térmico. - Esta é a convocatória que nos foi reenviada
por fax dos serviços centrais. Alegadamente um aparelho voador
não-identificado violou o espaço aéreo nacional. A aviação civil foi
alertada para o objecto pelas entidades espanholas, que detectaram o
aparelho a sobrevoar o Atlântico, vindo de noroeste da Península. Os
espanhóis têm melhor equipamento que o nosso... enfim. O que interessa é que
o espaço aéreo a noroeste faz parte da zona do oceano que pertence a
Portugal, logo, o problema é nosso. Os radares civis verificaram que a rota
do aparelho iria cruzar o espaço aéreo nacional e procuraram identificá-lo.
O piloto recusou-se a prestar qualquer tipo de identificação. Entrou no
espaço aéreo pelo Minho. Fizeram-se repetidas tentativas para que o intruso
se identificasse; nisto, a ANA recebeu um contacto dos militares, a pedir
esclarecimentos sobre o vôo não-autorizado sobre o dito aparelho. A ANA
informou a Força Aérea de que o piloto não tinha respondido aos apelos de
identificação; sugeriu que os militares intervissem.

Paulo quase que se esqueceu de que a comida arrefecia na mesa. O ruído
ambiente do «Trapos» parecia diminuir de intensidade à medida que Duarte
Nunes, visivelmente excitado com o relato, prosseguia na descrição do
acontecimento:

- Bom, estes casos são tratados segundo normas internacionais. Primeiro, os
civis fazem tudo para identificar o aparelho intruso. Depois os militares
fazem o mesmo, tentando estabelecer contacto também pelas frequências
militares. Se não conseguirem, interceptam o objecto, acompanhando-o na sua
descida no aeroporto mais próximo, seja este civil ou militar. Do Porto
lançaram uma esquadrilha de três helicópteros a jacto para interceptar o
intruso. Informaram-no de que devia imediatamente mudar de rumo e pousar em
Pedras Rubras. Mas o intruso deslocava-se a velocidades supersónicas, apesar
de abrandar a sua marcha progressivamente à medida que se deslocava do Norte
para o Sul. Continuava a ignorar os apelos para aterrar. Bom, os portugueses
são bastante pacíficos nestas coisas, e levam imenso tempo a decidir. Só
quando o aparelho - agora a deslocar-se a velocidades subsónicas - passa o
Tejo é que se decide abater o intruso. Acho que deve ter sido um dos
raríssimos casos em que se fez uma intervenção deste tipo - e segundo o
relatório, após consultas com os vários órgãos da NATO. Uma esquadrilha de
quatro F-16 levantou vôo da Base Aérea de Sintra com a missão de
intercepção. Primeiro, ajustaram a sua rota e velocidade de forma a
acopanharem o intruso. Isto tem um procedimento interessante, em que
procuram «forçar» o intruso a descer - imagina, por exemplo, que tem o rádio
e os equipamentos avariados e que se «perdeu», sendo incapaz de estabelecer
a sua posição. Os pilotos em todo o mundo sabem que nestas situações são
geralmente escoltados pelos militares até que aterrem em segurança, sem
recorrer aos equipamentos. Mas este piloto aparentemente não conhecia os
procedimentos e ignorou a presença dos aviões militares. Ora aqui surge o
primeiro pormenor curioso: o aparelho não foi identificado por nenhum dos
militares. Era um modelo completamente desconhecido. Lembrava vagamente os
stealth fighters de última geração, que parecem umas enormes asas
triangulares, mas não tinha quaisquer marcas exteriores. O mais curioso era
não ter um brilho metálico, embora aparecesse nos radares.

Duarte Nunes abandonou o cachimbo e pareceu aperceber-se pela primeira vez
que a comida já estava fria. Mesmo assim, espetou o garfo no bife.

- Ora enquanto isto decorria, os militares entravam em contacto com os
sistemas da NATO e, com os dados fornecidos pelos espanhóis, procuraram
traçar a rota do aparelho até à sua origem. E eis que surge o segundo
pormenor estranho: o aparelho aparentemente «apareceu» assim sem mais nem
menos a cerca de mil quilómetros da costa portuguesa; e não há registo
nenhum da sua rota para além desse ponto! Com isto, os americanos
suspeitaram fortemente das intenções do intruso, e sugeriram que fosse
abatido, pensando estarem na presença de um avião novo de origem
completamente desconhecida. Ora como os russos já não são nossos inimigos,
não restam muitos países capazes de desenvolverem uma tecnologia nova, e os
americanos mostraram-se subitamente muito interessados nesse aparelho.

Paulo mastigou o resto do seu bife, mas a verdade era que não estava com
muito apetite. A história incrível que Duarte Nunes contava parecia-lhe
infinitamente mais interessante do que o bitoque à «Trapos». E assim o
sociólogo prosseguiu:

- Bem, do lado português, haviam muitas dúvidas. Se os americanos queriam o
aparelho, abatê-lo não era uma ideia lá muito interessante. Por isso
acompanharam o aparelho durante mais umas centenas de quilómetros,
procurando a todo o custo fazê-lo descer. Dispararam umas rajadas de
metralhadora a curta distância para mostrarem as suas intenções. Continuaram
a ser ignorados. Nisto a NATO, verificando a trajectória do aparelho, chegou
à conclusão que este iria atravessar o Mediterrâneo, e se continuasse a
diminuir a velocidade, iria aterrar algures em Marrocos, o que não dava
jeito nenhum - seria infinitamente mais difícil recuperar um avião em
território marroquino do que em Portugal, membro da NATO. Deram indicações
para os portugueses abaterem o avião o mais depressa possível; e lançaram
caças de um dos porta-aviões da NATO que patrulham o Mediterrâneo para
abaterem o aparelho caso este saísse do espaço aéreo português.
Aparentemente, era preferível apanhar o avião no mar do que em Marrocos...
Verificando que o avião estava a sobrevoar uma zona desabitada no Alentejo -
felizmente - o Estado Maior da Força Aérea deu ordens para abater o avião.
Estranhamente, os mísseis disparados falharam o alvo; foi preciso abatê-lo a
tiros de metralhadora. O aparelho caíu sem que o piloto se ejectasse, e
fez-se deslocar um grupo de helicópteros com uma companhia da Brigada
Aerotransportada para isolar a zona e capturar o piloto caso este tivesse
sobrevivido à queda. Ora por uma estranha coincidência o aparelho não só não
se incendiou como também não pareceu sofrer grandes estragos com a queda; os
Maiores danos que apresentava tinham sido causados pelas rajadas de
metralhadora, que tinham perfurado o casco, feito de uma estranha substância
muito dura, uma cerâmica qualquer mais resistente que o aço.

Nisto Duarte Nunes pausou e terminou o seu prato. Cheio de expectativa,
Paulo perguntou:

- Então e depois? Conseguiu-se capturar o piloto? Ou identificar o avião?

- O relatório termina aqui, - disse Duarte Nunes, com um sorriso
malicioso. - As autoridades civis foram informadas de que o intruso fora
abatido, mas que todo o processo tinha sido classificado como «muito
secreto». A NATO iria tomar conta do ocorrido daí em diante. O aparelho foi
transportado de helicóptero para um hangar na base de Beja. Convocou-se uma
reunião extraordinária do Conselho Nacional para as Observações de Fenómenos
Extraplanetários, a reunir em Beja. E não se sabe de mais nada.

- Pensava que a base de Beja tinha sido desactivada, - disse Paulo.

- Isso, meu caro Paulo, é o que a Força Aérea quer que pensemos. Na verdade,
a base de Beja é demasiado importante para ser desactivada. É que na
realidade esta não foi a primeira vez que se capturou um aparelho destes,
mas a quinta.

- Quê? - fez Paulo.

- Porque é que julgas que a base de Beja esteve nas mãos da NATO, e mais
concretamente, da Alemanha durante estes anos todos? Paulo, Beja é a «Área
51» da Península Ibérica: os seus hangares encerram todos os OVNIs
capturados na Península Ibérica. A única diferença é que os outros quatro
casos ocorreram em espaço aéreo espanhol, durante a altura em que os alemães
estavam em Beja, e a Força Aérea Portuguesa nunca precisou de interferir
directamente. Foi sempre tudo tratado a nível da NATO, a Força Aérea só dava
as autorizações para os helicópteros que transportavam os OVNIs para lá
pudessem cruzar o espaço aéreo nacional. Foi a primeira vez em que Portugal
interviu directamente nas operações. E pelos vistos com um sucesso tremendo:
nos outros quatro casos, os aparelhos tinham sido parcialmente destruídos.
Neste caso... Paulo, neste caso, o piloto sobreviveu à queda!

Subitamente Paulo sentiu um suor frio percorrer-lhe o corpo. Pestanejou. O
ambiente no «Trapos» pareceu-lhe irreal.

- Capturou-se um... um extraterrestre? Vivo?! Mas... mas isso é
absolutamente, completamente... inacreditável! A prova irrefutável de vida
extraterrestre! Em Portugal? Dr. Nunes, isso... isso...

- Acalma-te, rapaz, não é a primeira vez que isto acontece; há muitos mais
casos documentados... mas enfim, este é o primeiro a acontecer aqui em
Portugal.

- Muitos casos documentados...? Mas sempre pensei, enfim, quero dizer, isso
são histórias, nunca há factos, são coisas aproveitadas pelos americanos
para escreverem livros e fazerem filmes, coisas assim... confesso que nunca
liguei muito a isso...

- A verdade é que nunca existem provas disso. Sabes quantas pessoas morrem
anualmente em Portugal no Serviço Militar Obrigatório...? Não? Pois, não
admira; são coisas que são bem abafadas pelos militares. Têm muito jeito
para isso. E de vez em quando, estas coisas vêm a público, e o escândalo é
enorme. Enfim. É o que se passa com estas «provas» de vida extraterrestre,
há imensas provas e factos documentados, mas ninguém tem acesso à elas. De
vez em quando há fugas de informação, mas nunca se conseguem documentos
conclusivos ou provas definitivas, e essas «provas» passam a «rumores».
Duvido que se possa falar de conspirações, ao ponto de dizer que existe
colaboração entre os governos da Terra e os extraterrestres, isso para mim é
ir um pouco longe demais... mas lá que foram capturados muitos OVNIs, lá
isso foram... e muitos extraterrestres vivos, também. Pelo que sei, morrem
pouco tempo depois de estarem no nosso planeta, vítimas de falta de
alimentação, atmosferas venenosas, vírus, qualquer coisa assim...

- Tudo que estou a ouvir é completamente inacreditável... não tenho
palavras, não sei o que dizer!

Um sorriso esbateu-se no rosto de Duarte Nunes.

- Bom... não há muito mais que dizer. Como sabes, o chefe passou-nos a
pasta. Vamos os dois estar presentes no Conselho Nacional; arruma as coisas,
faz as malas, porque vamos partir para Beja.

Paulo Vasconcelos quase que desMaiou.


*CAPÍTULO 2*

Paulo já tinha estado em contacto com a hierarquia militar dos tempos da
tropa, por isso não estranhou de forma alguma a segurança apertada envolvida
no acesso à base de Beja. É certo, conhecendo como as coisas funcionavam
«por dentro», duvidava que as metralhadoras dos seguranças tivessem munição,
e que o aparato todo da identificação à entrada da base servisse de alguma
coisa - seria muito fácil entrar numa base militar com uma desculpa estúpida
qualquer - mas talvez para um estranho às lides militares aquela «encenação»
parecesse convincente. Foram mesmo ao ponto de o fotografarem para colocarem
a fotografia num cartãozinho plastificado para pendurar na lapela do
casaco - e mais uma vez, Paulo pensou que se não tivesse cartãozinho nenhum
e dissesse que «ia apenas à messe dos sargentos tomar um copo»,
provavelmente deixavam-no passar sem grandes problemas.

Um jipe da Força Aérea escoltou o carro conduzido por Duarte Nunes até um
dos complexos de hangares da base; mas esse não era aparentemente o seu
destino. Pararam num edifício de aspecto recente junto aos hangares.
Tipicamente do exército português, o edifiício não tinha qualquer
identificação; se alguém entrasse na base por engano e perguntasse onde é
que ficava o «Centro de Estudos de Vida Extraterrestre», ninguém lhe saberia
indicar o caminho; mas se perguntasse onde é que ficava o edifício da sétima
companhia, levavam-no ao sítio certo, mesmo que ninguém na base soubesse o
que é que a sétima companhia fazia, até mesmo os guardas à entrada do
edifício. Aliás, pelo ar dos militares no interior do edifício,
provavelmente ninguém sabia de nada, para além de terem ordens para
verificar continuamente a cada entrada se os visitantes tinham os documentos
em ordem. Um estranho provavelmente julgava estar num complexo militar de
alta segurança onde todos os militares juravam diariamente não revelar
segredos. Paulo, contudo, acreditava que muitos dos militares estavam ali a
cumprir o SMO - ou SEN como agora se chamava - e quando voltassem à vida
civil, se lhes perguntassem o que é que tinham feito, responderiam apenas
que tratavam de burocracia numa unidade qualquer. «Segurança através de
obscuridade» parecia ser o lema das Forças Armadas portuguesas. Paulo podia
quase jurar que os tripulantes do helicóptero que trouxera o alegado OVNI
para os hangares nem suspeitavam do que estavam a carregar. Se calhar nem
sequer os oficiais que tinham dado as ordens de recolha do aparelho sabiam
do assunto. Na tropa, sabia-se apenas o que era preciso, e era escusado
perguntar mais do que isso, porque ninguém sabia responder, de qualquer das
formas.

Foi conduzido a um enorme auditório, repleto de generais e almirantes mas
também muitos civis. Muitos eram estrangeiros; aliás, a língua que se falava
predominantemente era o inglês. A confusão era generalizada; estava a
decorrer uma sessão que ilustrava num grande monitor o percurso do OVNI até
ser abatido, mas Paulo já conhecia a história. Duarte Nunes desculpou-se por
uns momentos, porque tinha de falar com alguém. Paulo foi conduzido para
outra sala, trocou impressões com um funcionário do Ministério da Defesa,
riram-se um pouco com a história dos homenzinhos verdes que tinham sido
capturados, depois foi de novo separado. No meio da confusão toda acabou por
fazer parte de um grupo que foi visitar o OVNI, e perguntou a si mesmo onde
estava Duarte Nunes.

O OVNI era tudo menos impressionante. Aliás, Paulo começou a duvidar
seriamente que aquilo fosse, de facto, um OVNI, pois era igualzinho aos
aviões tipo stealth fighters dos americanos. O casco, contudo, não parecia
ser metálico, mas sim de plástico. Não tinha quaisquer marcas ou sinais ou
sequer pintura. Nem rodas; estava pousado directamente em cima do chão do
hangar. Cabos ligavam o OVNI a uma série de equipamento. Uma equipa de
militares estava a trabalhar em cima do aparelho; de um dos lados viam-se as
marcas dos disparos das metralhadoras. Não era nada impressionante; parecia
um avião normal a ser abastecido. O guia do grupo explicava que o casco era
feito de uma liga de materiais à base de cerâmica tecnologicamente pouco
sofisticada, mas que na Terra não era usada para fazer aviões, mas -
pasme-se! - fichas triplas! Aparentemente era um material excelente porque
não se dilatava com o calor, de forma que era excelente para aparelhos que
entravam e saíam de órbita. O Space Shuttle americano usava um material
semelhante, embora não igual. Enfim. Paulo estava já desapontado; pensava
ver um «disco voador» de metal brilhante que estivesse suspenso no ar por
antigravidade ou outra tecnologia fantástica qualquer.

Havia um buraco rectangular no topo, que o guia explicou que tinha sido
cortado para aceder ao interior, pois não tinha sido descoberta qualquer
porta ou mecanismo que desse acesso ao interior. O grupo então foi conduzido
para uma espécie de rampa, do estilo das que servem os aviões normais em
aeroportos civis, e um a um, foi-lhes dada a oportunidade de visitar o
interior da nave espacial alienígena.

Interior esse que era ainda menos impressionante que o exterior. A primeira
impressão que teve foi de que estava num iate de luxo: o chão era forrado
com um tapete vermelho felpudo; as paredes eram forradas a madeira. Existiam
quadros nas paredes, com molduras modernas, mas aparentemente os
extraterrestres apreciavam exactamente o mesmo tipo de arte abstracta que os
terrestres. Era mesmo decepcionante. Paulo franziu as sobrancelhas; esperava
tudo menos aquilo. Aliás, mesmo as proporções dos corredores, das salas
interiores, até à altura a que os quadros estavam pendurados fazia lembrar
um navio terrestre. Talvez a única indicação de que se tratava de um
aparelho não construído na Terra eram os pequenos detalhes: por exemplo, não
parecia haver nenhum tipo de suporte para os quadros. Não existiam
interruptores para acender as luzes; toda a nave estava envolta numa
luminosidade ambiente cuja fonte era desconhecida. Pequenos letreiros junto
às portas tinham indicações numa escrita estranha - mas não tão estranha
como isso: era estranhamente familiar, lembrando a escrita hebraica.

O cockpit, ou a ponte, era um pouco mais interessante. A primeira coisa que
Paulo notou foram as três poltronas muito confortáveis e desenhadas
ergonomicamente, colocadas em frente a um écran negro como a noite. Os
extraterrestres tinham de ter conceitos muito semelhantes aos terrestres -
qualquer uma das poltronas adaptava-se perfeitamente ao corpo humano! Isso
era extremamente estranho. Bem, uma coisa era certa: fosse quem fosse o
piloto, este teria de ser um humanóide bípede, erecto, utilizando as mãos e
as pernas para manusear os instrumentos da nave.

Os instrumentos eram notavelmente simples - meia dúzia de painéis luminosos,
pouco mais do que rectângulos coloridos com a tal escrita estranha. A
ausência de instrumentos mais complexos do que uma manete - tipo os
joysticks dos jogos de computadores - e um par de pedais para os tripulantes
era impressionante. Por um lado, parecia a Paulo que tudo aquilo era uma
enorme fantochada; decerto ninguém acreditaria que aquilo fosse uma nave
espacial a sério! Nem sequer existiam cintos de segurança para os pilotos!
Por outro lado, fazia sentido que uma civilização avançada simplificasse de
tal forma as viagens no espaço que qualquer pessoa pudesse conduzir uma nave
interestelar com a mesma simplicidade que na Terra se conduziam automóveis.
Mas a ausência total de elementos estranhos fazia impressão a Paulo. Não
haviam instrumentos esquisitos a flutuar no ar desafiando as leis da
gravidade. Não havia uma atmosfera venenosa no interior. Ou tanques estilo
aquários onde os extraterrestres repousassem durante a viagem num estado de
animação suspensa. Tudo era tão... banal.

Se aquela nave fosse colocada no Disneyworld, os putos não lhe achariam
piada nenhuma.

O guia não foi muito explicativo - indicava apenas o óbvio: isto é a consola
central, aquele écran iluminava-se com imagens do exterior embora não se
tivessem detectado quaisquer dispositivos no casco da nave que recolhesse
imagens, aqui era a cadeira do piloto. Os quartos tinham vulgares beliches,
de dimensões semelhantes aos que poderiam ser utilizados por terestres. Até
a casa de banho fazia lembrar uma casa de banho terrestre, com sanita,
lavatório e poliban, embora de design mais sofisticado que o terrestre...

Em resumo, a nave impressionava menos do que qualquer nave de um filme de
ficção científica com um orçamento reduzido.

Qualquer coisa definitivamente não batia certo. Paulo voltou com o grupo ao
hangar principal profundamente desapontado; a visita à nave espacial fora um
anticlímax completo, depois do relato excitante de Duarte Nunes.

De regresso a uma sala de espera qualquer, Paulo dirigiu-se a um tenente,
ainda reconhecendo as patentes militares, e perguntou por Duarte Nunes. - O
sociólogo da Polícia Judiciária, - informou.

- Ah, o sociólogo? - O tenente consultou o relógio de pulso e um bloco-notas
electrónico que trazia consigo. - Venha por aqui.

Conduziu-o por uma série de corredores, deixando-o com uma jovem alferes que
o levou por mais uma parte labiríntica do edifício. Passou por três postos
onde se teve de identificar e onde foi sumariamente revistado; estando tudo
em ordem, os soldados faziam continência à oficial que o acompanhava. Esta
passou por mais uma sala e deixou-o com outro grupo de pessoas. Paulo estava
completamente perdido. Resolveu pedir indicações de novo. Desta feita, um
alferes levou-o por mais um corredor. Uma placa dizia «Zona de Alta
Segurança - Acesso interdito a pessoas não autorizadas». O que não impedia
que diversas pessoas, civis e militares, se cruzassem com ele, numa azáfama
que lembrava o Metropolitano de Lisboa em hora de ponta. A dada altura
desencontrou-se do oficial que o conduzia, e teve de pedir mais indicações a
um sargento que estava de guarda a uma porta que dizia, uma vez mais, que se
estava numa área de acesso restrito. Este consultou a placa de
identificação, tomou umas anotações noutro daqueles blocos electrónicos, e
disse:

- Tem meia hora, - abrindo-lhe a porta.

- Meia hora? - disse Paulo, confuso. - Mas... o sociólogo da Polícia
Judiciária...

- Meia hora, - cortou o sargento, quase que empurrando Paulo para o interior
da sala, fechando a porta atrás de si.

Paulo ficou embasbacado perante a porta, que só se abria do exterior.

- Merda! - exclamou. E só depois reparou que não estava sozinho.

Estava numa espécie de sala de reuniões completamente pintada de branco. Uma
mesa, também branca, tinha uma série de blocos-notas electrónicos, e também
um grande número de papéis, dispostos caoticamente em cima da mesma. Existia
um quadro branco, daqueles computorizados que permitiam que se imprimisse
uma cópia do que se escrevia em cima dele. Uma das paredes tinha janelas de
vidros duplos que dava para o hangar que continha a nave espacial;
aparentemente, no meio de toda a caminhada, Paulo regressara ao ponto de
partida. Outra parede tinha também uma janela de vidros duplos; dava para o
que parecia ser uma sala de operações, mas Paulo não conseguia perceber o
que se passava no seu interior. Cirurgiões com os seus instrumentos
cortantes estavam entretidos com dois corpos em cima das respectivas camas
de operações; a um canto da outra sala, dois soldados serviam de guardas.

Sentada numa das cadeiras junto à mesa estava uma jovem bastante atraente,
com um ar triste, envergando um uniforme azul muito claro, sem insígnias de
patentes militares.

- Oh, perdão, - começou Paulo, desculpando-se pela sua linguagem rude. - Que
grande confusão que por aqui vai!...

A jovem sorriu, afastando os cabelos compridos. Eram castanhos, lisos, e os
seus olhos azuis fitaram Paulo com um olhar imensamente triste, contrastando
com o pequeno sorriso que lhe dedicara. Paulo estendeu-lhe a mão.

- Paulo Vasconcelos, da Polícia Judiciária, - apresentou-se, também com um
pequeno sorriso. A jovem apertou a mão e disse apenas:

- Myra.

Paulo sentou-se a seu lado e abanou a cabeça.

- Por mero acaso, não viu um detective da Polícia Judiciária, chamado Duarte
Nunes? Um pouco gordo, já de idade, meio careca, óculos na ponta do nariz,
sorridente? - A jovem abanou a cabeça. - Logo vi que não. Enfim. Disseram-me
que ele estava por aqui, mas pelos vistos enganaram-se. Bolas. Meia hora,
disse o guarda. Tenho que esperar meia hora. Enfim. Confusões da tropa.
Típico.

A jovem encolheu os ombros.

- Tem sido assim todos os dias... - A sua voz era suave, quase melodiosa, e
embora a sua pronúncia fosse correcta, era evidentemente estrangeira, o que
explicava o estranho nome.

- Calculo que sim. Estás aqui há muito tempo?

Ela sorriu.

- Sim, desde que aquilo chegou aqui... - E apontou para a nave. Paulo acenou
afirmativamente.

- Pois, eu tenho a sorte de só ter chegado hoje...

- Têm sido interrogatórios dia e noite... também estás aqui para os
interrogatórios? - perguntou ela.

Paulo fez que não com a cabeça.

- Interrogatórios? Não. Apenas de visita. Bom, presumo que tenha de assistir
a uma reunião qualquer com os elementos do Conselho Nacional, mas isso é só
à tarde. De manhã foi só para visitar as instalações, calculo eu... -
Sorriu. - E parece que visitei todos os corredores e salas deste edifício,
que - confesso! - não me interessa grandemente.

A jovem sorriu e não disse nada.

- Estou aqui evidentemente por engano, - disse ele. - O meu colega - Duarte
Nunes - é o sociólogo da minha unidade. Mandaram-me esperar aqui por ele...

- Ah, um sociólogo, - disse ela. - E ele vem aqui para os interrogatórios?

- Não... vem assistir também à tal reunião do Conselho Nacional. - E
subitamente franziu uma sobrancelha, receando estar a revelar demais. - E
tu? És militar?

Ela abanou a cabeça.

Paulo olhou para os esquemas e diagramas em cima da mesa, que não lhe diziam
rigorosamente nada. - Só por curiosidade... posso perguntar de onde vens?
Falas português impecavelmente, mas com um leve sotaque...

Nisto ela pestanejou, e pareceu não compreender a pergunta.

- Desculpa?

- Era só curiosidade... - Outras unidades tinham evidentemente os seus
próprios esquemas de segurança. Paulo corou ligeiramente; será que não era
suposto as pessoas saberem de onde vinham? Mas a placa de identificação que
trazia ao peito dizia claramente o seu nome e função dentro da PJ. O que não
serviu de nada para o conduzirem junto a Duarte Nunes. Apontou para a
placa. - Não trazes uma coisa destas? És a primeira pessoa que vejo que não
está identificada.

Ela sorriu.

- Acho que não é preciso. - E depois tornou-se mais séria. - Estás mesmo
perdido aqui dentro, não estás?

Paulo encolheu os ombros.

- Suponho que sim... não sei onde estou. Que sala é esta? Que é que aqueles
médicos estão ali a fazer?

A jovem cruzou os braços em cima da mesa.

- Não sabes?

Paulo abanou a cabeça.

Myra olhou pela janela onde a operação prosseguia.

- O que é que vocês costumam fazer com os seres extraterrestres que apanham?
Cortá-los aos bocados? Abri-los para verem como funcionam? Sei lá, qualquer
coisa do género. Estão ali há várias horas...

Paulo subitamente deu um pulo e interessou-se sobre o que se passava.

- Então é isso que estão ali a fazer! Espantoso! - Mas não se conseguia ver
bem o aspecto dos ditos extraterrestres. Pelo volume que ocupavam em cima da
mesa de operações eram humanóides. Quanto a isso, Paulo não tinha dúvidas. -
Como será o seu aspecto? - interrogou-se, aproximando-se mais da janela, mas
em vão, era impossível descortinar qualquer pormenor. - Humanóides?
Monstrinhos verdes com montes de tentáculos?

Ela ficou muito séria, aparentemente não achando piada ao comentário de
Paulo.

- Não, são humanos, - disse ela.

- Humanos? Humanos, como? - perguntou Paulo, curioso. - Como é que sabes, já
os viste?

- São tão humanos como tu, - afirmou ela sem sombra de dúvidas.

Paulo voltou a sentar-se.

- Mas isso é impossível, - disse ele.

- Não é nada, - disse ela.

- Quer dizer... a probabilidade de evolução paralela... OK, mas mesmo
assim... é esticar um bocado... podem ser muito parecidos com os humanos,
mas...

- São humanos, - insistiu ela.

- Mas como pode ser isso possível?? - Paulo estava espantado. - Mas
humanos... iguaizinhos a nós? Por fora e por dentro? Geneticamente iguais?

Myra pareceu zangada.

- Sim, humanos, iguazinhos a ti, por dentro, por fora, pelos lados... estou
a ver que só chegaste há pouco tempo, não é verdade? Senão, já sabias. -
Levantou-se da cadeira e ficou a observar também a sala de operações. Depois
voltou-se para Paulo. O seu cabelo esvoaçou, num gesto muito feminino. -
Quer dizer que ainda não te contaram mesmo nada?

Paulo abanou a cabeça.

- Ainda não houve tempo... só vi a nave.

- Quer dizer que também não sabes quem eu sou?

A pergunta fora simples e natural - mas Paulo subitamente sentiu um suor
frio que inexplicavelmente lhe percorreu o corpo. Abanou a cabeça - mas
pressentia que já sabia a resposta.

Myra apontou para o hangar, para a nave.

- Eu era o piloto daquela nave que vocês abateram, - disse ela friamente.

E Paulo ficou com a boca aberta durante talvez meio minuto, sem saber o que
dizer. Os seus olhos fitaram os da jovem de cabelos compridos castanhos. O
silêncio tornou-se quase obcessivo. Estava completamente sem palavras.

- Ah, - fez então, mas não conseguiu dizer mais nada.

- Todos os que entraram por aquela porta só me quiseram interrogar, - disse
ela finalmente. - Mas começo a ficar cansada, muito cansada...

- Eu... quero dizer... bolas, não sei o que quero dizer. Não sei se acredito
no que estou a ouvir. Humanos, a viver fora da Terra?

Ela encolheu os ombros.

- Que há de tão especial nisso? Há humanos por toda a parte.

- Mas...

- Nada de mas; tu não sabes; acredita em mim. Há milhares de planetas
habitados por humanos nesta galáxia. E se calhar noutras galáxias também,
não sei; nunca viajámos para fora da nossa galáxia. - Voltou a sentar-se, e
o seu pequeno sorriso desta vez não denotava tristeza, mas talvez
sarcasmo. - Vocês, terrestres, ainda estão convencidos que são muito
especiais, que estão no centro do Universo, não é verdade? Escusas de negar;
eu conheço muito bem a vossa história.

- Não percebo nada. Mas como podem haver humanos fora da Terra? Os humanos
tiveram a sua origem na Terra, por evolução natural...

Ela arqueou uma das finas sobrancelhas.

- Quem disse?

- Ah... os antropólogos, os cientistas... Darwin... as evidências
genéticas...

- Apenas mostram que houve evolução, sim, mas não dizem nada sobre a origem
da evolução, - disse ela. - A Terra é apenas um desses milhares de planetas
que dispõem das características essenciais para que a vida tal como tu e eu
a conhecemos apareça. Há alguns milhares de anos terrestres atrás que os
humanos foram também aqui introduzidos...

- Mas... mas... se assim fosse... porque não houve contactos anteriores?

- Não houve? - Ela riu-se. - A vossa história está repleta de alusões a
isso, vocês é que teimam em ignorar isso, porque julgam que estão no centro
do Universo. Os egípcios, os maias, os aztecas, todos eles lidavam quase
diariamente com os «deuses que vinham do céu». Jesus Cristo. Leonardo da
Vinci. Os magos que foram queimados pela Inquisição. Então neste século, os
contactos multiplicaram-se, em especial quando vocês, hum... «descobriram» a
bomba atómica e começaram a viajar no espaço. Houve quem começasse
seriamente a pensar que chegara a altura de colocar a Terra na Aliança...

Paulo abanou a cabeça.

- Tudo isso é demasiado fantástico... mas e as descrições dos
extraterrestres...? Os Grays não são humanos, são humanóides quanto muito...

- Os humanos não são a única raça na Galáxia, nem sequer são a raça
dominante... existem várias... - Ela suspirou. - É cansativo... já repeti
isto uma centena de vezes, pelo menos.

- Mas nenhuma das descrições e relatos de OVNIs fala de OVNIs pilotados por
humanos, - protestou Paulo. - Nunca li isso em lado nenhum. Experiências
genéticas entre extraterrestres e terrestres, isso já é outra história, há
milhares de rumores e boatos.

Ela sorriu.

- Para isso teria de te falar de política dentro da Aliança...

- O que é exactamente essa Aliança?

- Oh, uma confederação, se quiseres, entre milhares de planetas e dezenas de
raças. Os humanos são dos povos mais conservadores dentro dessa
confederação. Acham que a Terra tem de desenvolver primeiro a tecnologia
necessária para contactar a Aliança. Outras raças não pensam assim, acham
que a Terra já demonstrou potencial suficiente, e que com uma pequena ajuda
os terrestres podiam desde já avançar como membros. Outras raças têm uma
visão muito mais pessimista: julgam que os terrestres são bárbaros, e como a
Terra está fora da juridisção da Aliança, consideram que a Terra é um óptimo
lugar para proceder a experiências ilegais...

- Devias escrever livros de ficção científica; a seguir vais dizer que
existe uma enorme conspiração na Galáxia, em conivência com os governos da
Terra...

Ela encolheu os ombros.

-Há um mito que a civilização traz consigo uma certa carga de bom senso. Não
é verdade; por exemplo, as guerras na Terra são muito mais violentas agora
do que no passado. Existem mais interesses envolvidos. Existem armas mais
mortíferas. A Aliança também não é um mar de rosas; na realidade, a Aliança
só existe formalmente como um conjunto de planetas que se uniu para se
defenderem dos inimigos comuns.

- Inimigos...?

- Sim, a Aliança está em guerra com várias nações galácticas... mas não era
isso que eu queria dizer. Queria dizer que o facto da Terra não pertencer à
Aliança tem consequências interessantes para muitas das raças menos
escrupulosas, cujo objectivo é explorar os terrestres em benefício
próprio... mas têm de fazê-lo em segredo, pois «oficialmente» o Conselho da
Aliança declarou que a Terra era um planeta protegido. Estilo a protecção
que os Estados Unidos dão ao Panamá, na Terra: uma nação independente, até
que surjam problemas com o canal. É assim que a Aliança vê a Terra: um
protectorado. Mas oficialmente os governos da Terra não sabem de nada.
Oficiosamente, sabem-no, através das raças que já estabeleceram contactos...
é complicado. Se a Aliança reconhecer que esses contactos existem, teria de
intervir, no sentido de banir completamente o acesso à Terra. Usando a
força, se necessário. Mas isso significaria alienar alguns membros da
Aliança. E a Aliança, como disse, é uma espécie de confederação - esses
membros podiam insurgir-se contra o Conselho e abandonar a Aliança. - A
jovem sorriu. - Política, como vês. Acho que é uma das constantes do
Universo: onde há inteligência, há também política.

- Quer dizer que a qualquer altura a Terra poderia ser... invadida?

- Não... como disse, a Terra é um protectorado. Se alguma raça atacasse a
Terra, seria expulsa da Aliança, e esta declarar-lhe-ia formalmente guerra.
Nenhuma raça vai arriscar isso; a Aliança é militarmente muito forte, embora
politicamente não o seja. Por isso essas raças são mais... subtis.
Estabelecem acordos com os governos da Terra, em troca de tecnologia e
conhecimentos. Tenho uma ideia de que esses acordos são muito unilaterais:
essas raças não estão propriamente interessadas em desenvolver o potencial
bélico da Terra ao ponto deste se tornar num problema. São feitas imensas
promessas que serão cumpridas apenas num futuro distante... e nessa altura,
provavelmente a Terra acabará por desenvolver tecnologia própria, e ser
aceite na Aliança como membro, tornando inútil esses acordos com essas
raças. Como vês, eles estão a jogar muito bem: sabem que, enquanto a Terra
continuar sob a protecção formal da Aliança, podem fazer o que muito bem
lhes der na real gana com os terrestres, sem darem nada em troca; e mais
tarde, como membro da Aliança, a Terra não ganhará nada com esses acordos.

- Mas se esse tal Conselho oficialmente proíbe esses tipos de contactos...
não poderiam impôr represálias, sei lá; fazer alguma coisa?

Ela encolheu os ombros.


- Política... isso precisa de consenso a nível do Conselho... e esse
consenso não existe. O argumento é que, oficialmente, ninguém visitou
formalmente a Terra. Isto é, não houve um contacto. Os governos da Terra
também são obrigados a fazer segredo disto tudo. Se todos os habitantes da
Terra estivessem conscientes do que se passa, provavelmente poderiam apelar
para o Conselho, e isso acabaria com todos os problemas. Mas a verdade é que
os governos da Terra estão «obrigados» ao segredo, senão... perdem todos os
acordos que têm com essas raças.

- Quer dizer... nós cá na Terra ouvimos imensos rumores e boatos que se
trata de uma conspiração dos governos da Terra para nos manterem na ilusão
de que não existe vida extraterrestre, mas na verdade a conspiração é a
nível galáctico...

Ela sorriu de novo, indiferente.

- Qualquer coisa assim.

- E isso não te preocupa?

Myra encolheu os ombros.

- Nem por isso. Não sou política, não sou militar...

- Então o que és?

- Uma turista, - disse ela simplesmente. Com um gesto muito feminino,
sacudiu os cabelos. Colocou um sorriso enigmático nos lábios; seria a Mona
Lisa também uma pintura de uma extraterrestre?

Paulo já não sabia muito bem a que tronco se agarrar neste naufrágio, neste
colapso de tudo em que acreditava. As coisas eram demasiado inacreditáveis
para as conseguir absorver no curto espaço de tempo em que escutara a jovem
extraterrestre. Talvez daqui a umas horas conseguisse compreender o que de
facto se estava a passar. Tudo o que sabia era que uma nave alienígena
estava arrumada num hangar do Alentejo; a prova disso estava do outro lado
do vidro. E que o piloto dessa nave era uma jovem atraente de nome Myra que
estava à conversa com ele.

Tudo o resto era demasiado fantástico para ser imediatamente compreensível.

- Uma... turista?? - perguntou Paulo, uma vez mais espantado.

- Sim, uma turista... porque tanto espanto? A Terra é um paraíso para os
humanos da Galáxia. É uma visita quase obrigatória para qualquer jovem
rebelde que não sabe o que fazer ao dinheiro, - riu-se ela.

Um riso cristalino, sincero.

- Então existe dinheiro na Galáxia...?

Ela procurou fazer um ar sério, mas evidentemente que não se estava a
esforçar muito.

- Claro que existe dinheiro; estamos a falar da raça humana, não estamos? E
existe corrupção, vícios, trafulhices, ilegalidades, crimes, e injustiça
social. Não penses que somos melhores do que vocês só porque somos
tecnologicamente avançados. Mesmo a Maioria das outras raças não vivem em
sociedade «perfeitas»; isso é outro mito vosso. Acreditam que num futuro
tecnologicamente avançado poderão abolir coisas como a doença, as injustiças
sociais e coisas assim. Se existirem robots para tratar de tudo, poderão
descansar à sombra da bananeira e não fazer nenhum. Isso é que era bom! De
facto, esses robots até existem. Mas quem os fabrica vende-os a um preço
elevado; só os ricos é que os podem comprar; logo, são os ricos que não
fazem nenhum. Os pobres continuam a viver na miséria a economizar os seus
ridículos salários até terem dinheiro para comprarem um robot que lhes trate
de todos os problemas. A esmagadora Maioria nunca o consegue fazer. E as
minorias ricas têm centenas ou milhares de robots, que seriam mais do que
suficientes para realizar todos os trabalhos para toda a população
galáctica, mas ninguém no seu perfeito juízo pensa numa coisa dessas. Somos
humanos, afinal de contas; a exploração do próximo é genética, está-nos no
sangue, como vocês dizem.

Paulo ficou embasbacado. Acabou só por afirmar:

- Falas português perfeitamente...

- Assim como outras sete línguas terrestres, - disse ela. - Acho que já
passei tanto tempo na Terra como no meu planeta...

- Mas porquê fazer turismo na Terra? Não se pode fazer turismo noutro lado?
Acho completamente descabida essa ideia... então e nunca ninguém desconfiou?

Ela abriu os braços.

- Desconfiar de quê? Sou humana, tal como vocês. Mesmo que me analisassem o
DNA não encontravam diferenças. E não tenho «implantes» ou outras coisas
esquisitas dentro de mim. O meu sangue é vermelho como o vosso. Respiro o
mesmo ar, como a mesma comida...

- Mas porquê turismo aqui?

- Ora, vocês não gostam também de viajar para lugares exóticos e remotos?
Entrar em contacto com outras culturas, viver da mesma forma que os
indígenas? Pois eu também. Porque não? Os planetas da Galáxia são todos
monotonamente iguais. Pior do que isso, entre os planetas que pertencem à
raça humana está-se a atravessar uma fase de extremo conservadorismo, hum,
parecido talvez com o que vocês, terrestres, tinham no século passado.
Puritanos. Por isso é que os humanos na Aliança não se mexem muito... estão
agarrados a tradições e a ideais tradicionalistas... há um revivalismo das
tradições históricas... e o nosso governo é muito conservador também, acho
que lhe poderias chamar uma «ditadura benévola», se quiseres... no meu
planeta, temos um Imperador, uma figura monárquica e hereditária, sem poder
real, mas que intervém nos costumes, na história e na tradição da raça
humana espalhada pela Galáxia. Enfim. Tudo isto para dizer que a Terra é um
pequeno paraíso, não corrompido pelos ideais demasiado tradicionalistas dos
planetas da Aliança. É uma maravilha! Adoro! - Voltou a rir-se. - No meu
planeta, Andor, a capital do império humano, tu serias provavelmente preso
por atentado à moral pública, pelas roupas que usas.

- Quê? - Paulo olhou para a sua roupa; como detective que era, trazia um
casaco, calças, e uma gravata. Mais conservador não seria possível.

- A tua camisa, com essas mangas tão curtas, seria uma provocação - serias
provavelmente condenado por um crime sexual menor.

- Não posso crer! Mas... quero dizer, as civilizações avançadas da Terra
sempre tiveram uma atitude mais liberal em relação a isso... vidé os
Egípcios, os Gregos, os Romanos...

- Pois, mas actualmente Andor acha que são essas mesmas atitudes liberais
que destróiem os impérios. Mesmo na Terra acha-se que foram as orgias que
destruíram com o Império Romano, enfraquecendo o espírito dos romanos, ao
ponto de se deixarem conquistar pelos bárbaros... enfim, isto agora daria
panos para mangas (piada!), seria uma longa discussão, e eu não quero estar
a argumentar contra ou a favor destas «teorias». Tudo o que posso dizer é
que, tal como vocês em férias tomam atitudes mais liberais com o vosso
comportamento e a vossa maneira de ser, eu faço o mesmo, nas minhas férias
na Terra. - Corou ligeiramente. - Se bem que acho que seria incapaz de estar
numa das vossas praias ao sol, seminua...

- Uma turista... não posso crer... e o primeiro contacto com vida
extraterrestre tinha de ser logo com uma turista. Que vem cá porque pode
vestir roupas escandalosas. Isto é inacreditável!

- Que querias? Uma física nuclear ou uma política? Alguém que viesse com uma
mensagem bonita do tipo: «Saudações, terrestres; vimos em paz»? - Myra
riu-se. - Desculpa desiludir-te. Acho que vocês, terrestres, sofrem do mal
de acreditarem em mundos cor-de-rosa. Olham para o vosso planeta e
envergonham-se do que fizeram com o vosso mundo. Mas na realidade, a vossa
bola de lama que gira em torno do vosso sol é muito ingênua; a Galáxia toda
é composta de bolas de lama em torno dos respectivos sóis...

Paulo já não sabia o que dizer. E, como em resposta ao seu desespero, a
porta subitamente abriu-se de rompante. Tanto Myra como Paulo se levantaram
de imediato. Um soldado em uniforme anunciou simplesmente:

- Acabou o tempo.

O detective e a turista extraterrestre entreolharam-se. Myra sorriu,
melancolicamente. Paulo apercebeu-se de que a conversa na última meia-hora
tinha sido uma espécie de alívio para ela. Os seus olhos pousaram por um
momento na sala de operações ao lado. Seria isso que lhe estava reservada?
Interrogatórios sem fim, e depois... dissecação? O seu coração deu um pulo.
Uma sensação estranha de que tudo aquilo estava errado tomou-o de assalto e
não pareceu querer abandoná-lo. Mas não havia nada que Paulo pudesse fazer.
Ou havia?

- Havemos de voltar a encontrar-nos, - disse Paulo, e não era uma frase
feita bonita. Havia alguma convicção no que dizia. Myra pareceu aperceber-se
dessa convicção e acenou afirmativamente.

O soldado escoltou Paulo de regresso ao labirinto dos corredores da base de
Beja, e fechou a porta atrás de si com um estrondo. Paulo estremeceu. Mas
não existia nada de definitivo no Universo. A mudança era a única coisa que
era constante.

(continua no próximo número)

(c) Luís Miguel Sequeira
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