Retrocedersimetria: paradoxo
Fanzine de FC&F da SIMETRIA (2.ª série).
editorial

No dia 22 de Dezembro do 1999, quando a Lua, então cheíssima, concidiu com o Sostício, o mundo chegou ao fim. Porém, nove dias depois, o ano 2000 começou. Como a generalidade das pessoas desconheciam que o mundo tinha acabado, continuaram a fazer a sua vida normal. Alguns chegaram mesmo a festejar a entrada no século XXI com grandes manifestações de júbilo. Outros foram apenas moderados na mudança do século. De uma maneira geral, toda a gente deu volta ao juízo a confirmar se a mudança de 999 para 000 era, sim ou não, a mudança de milénio. Para os judeus, feitas as contas, o ano 2000 era afinal o ano 5760. Mas isto pouco importa, já que o mundo acabou mesmo no tal dia fatídico e anunciado. Um amigo meu diz que passou o século a dormir, o que de certa forma levanta um problema: na ausência de mundo, será que se pode dormir? O meu amigo diz que sim e eu concordo com ele: é que, ao dormir, sonha-se e, ao sonhar-se, concebe-se o mundo. Chego mesmo a interrogar-me se o mundo que hoje existe não é, afinal, o sonho sonhado pelo meu amigo. É claro que isto me preocupa um bocadinho, já que faz de mim uma personagem dos sonhos do meu amigo. Ou seja, sinto que perco rapidamente espessura material. Sou cada vez mais transparente, consumo-me em anorexias sociais, que fazem com que os empregados dos restaurantes não ouçam os meus pedidos, nem a minha família preste atenção às minhas entradas e saídas em casa, nem leve a sério as minhas indicações e recomendações; este estado chega ao ponto de toda a gente ignorar aquilo que eu, e outros amigos meus (que não o tal sonhador inveterado), publicam. Os que hoje discutem o fim da Ficção Científica têm toda a razão para o fazer, embora pudessem discutir o tema pelo menos desde os anos 30 do século XX. Hoje, já acabou! É evidente que o PARADOXO não pode ficar imune a este estado de coisas. Mas, num mundo que já acabou, porque é que não há-de existir uma revista de FC e Fantástico? É também este o nosso paradoxo. Estejam descansados, porém, os espíritos mais exigentes: se me derem uma boa razão - uma razão suficentemente espessa - amanhã mesmo, irei à tipografia, como Director paradoxal, mandar parar as rotativas. Então já não existirá PARADOXO. Tudo ficará mais sossegado, mais tranquilo, porventura mais tépido. E já que se fala em temperaturas, vamos ao editorial propriamente dito:

Eis o número de Inverno da revista PARADOXO. É um número fresquinho, como convém à estação do ano 2000. Os leitores podem lê-lo, ou não, mas devem definitivamente apreciar o esforço. Também se podem pronunciar, de preferência a favor. Serão publicadas (se me apetecer) as cartas dirigidas ao Director, que lhes responderá à altura. Autores e artistas podem dar asas à respectiva criatividade, desde que não atulhem a caixa do correio (caracol e electrónico) da Simetria. Não haverá condescendência com arremedos pseudo-criativos amadorísticos. Estudos de curta dimensão e recensões/notícias de livros, filmes, bandas e o que mais houver, serão muito bem encaradas. É que, porra!, temos obrigação de dar corpo a este mundo que acabou em 22 de Dezembro do 1999. Portanto, mãos à obra. Há uma longa lista de coisas a fazer, para que o mundo volte a existir. Para construir um admirável mundo novo.

por...

Daniel Tércio
DANIEL TÉRCIO


inverno 2000

Paradoxo
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