Retrocedersimetria: paradoxo
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Receitologia de FC...


efeitos secundários: pares improváveis

Não há fenómeno mais intrigante para um autor (e porventura mais frustrante) do que observar a reacção do público às obras que aquele produz; observar, nomeadamente, a interpretação pessoal de cada leitor ou espectador, o impacto que certas cenas ou termos tiveram em detrimento das que o autor se esforçara por relevar, ou mesmo as obras que presumivelmente se afirma terem sido influenciadas pela sua. Ficar, até, boquiaberto com as implicações metafísicas e filosóficas que os fãs descobrem e que ele tem a certeza de não ter sido sua intenção incluí-las. Não haverá, também, fenómeno mais frustrante do que não observar reacção absolutamente nenhuma, mas essa é outra história...

Dado o impacto das produções televisivas, quer em termos de difusão quer em termos de riqueza do imaginário, quando se transformam em figuras de culto poderão originar movimentos ou tendências culturais que atravessam gerações e por vezes atravessam a barreira do que é considerado fora do comum. Uma dessas produções foi STAR TREK (O CAMINHO DAS ESTRELAS). Uma multidão de Trekkies, como se autodenominam os fãs, apropriaram-se dos ícones televisivos e dos personagens que mais adoravam, e continuaram as histórias fora dos écrans. Quem entrar numa livraria normal nos EUA fica soterrado sob uma montanha de produtos derivados da série, desde adaptações dos episódios, a livros ilustrados, mapas do universo, a sagas que nunca serão produzidas em vídeo. Uma destas sagas (que não se encontra nas livrarias normais dada a sua natureza extremamente underground) pertence a um grupo de admiradores obcecados com pornografia e homo-erotismo envolvendo o capitão Kirk e o vulcano Mr. Spock.

«Welcome to bisexuality, Captain Kirk, where gender has nothing to do with who you want.» Assim começa o livro THE COSMIC FUCK, por Gayle Feyrer, na qual os dois principais protagonistas da série se envolvem num relacionamento homossexual, evoluindo nos sentimentos e na aceitação até incluírem no fim o doutor McCoy numa ménage à trois, à semelhança das reuniões entre os três amigos que encerrava muitos dos episódios. Embora STAR TREK sempre tenha sido assumida e definidamente heterossexual, o facto de um grupo de admiradores ter apropriado o tema, as personagens e os ícones culturais que estas representavam (o que revela mais sobre os espectadores do que sobre a própria série), mostra o impacto da série sobre uma audiência que atravessava os anos sessenta, a década dos Filhos das Flores, e que ainda continua, de tal modo que estes admiradores pretendam, segundo afirma Henry Jenkins no livro TEXTUAL POACHERS: TELEVISION FANS AND PARTICIPATORY CULTURE, apenas reescrever as vidas dos personagens de modo a corresponder às suas preferências ou desejos para que possam usá-las como ideais de conduta e integrá-las nas suas próprias vidas. De notar que, embora STAR TREK seja o exemplo mais famoso, outras séries também tiveram as suas adaptações porno-underground, nomeadamente THE MAN FROM U.N.C.L.E., STARSKY AND HUTCH, A BELA E O MONSTRO, e BLAKE'S 7.

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por...

Luís Filipe Silva
LUÍS FILIPE SILVA



março 98

Paradoxo
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