Retrocedersimetria: ficção
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o duelo
por Carlos Silveira Filho <[email protected]>

- Mas eu matei você, como pode estar vivo?!

- Isso eu não sei, man! Mas estou aqui, man! Terá que me matar de novo, man!

E sorria com os lábios torcidos e os dentes amarelados à mostra. No peito, lado esquerdo, um furo enegrecido de bala quarenta e cinco na roupa suja, as bordas chamuscadas e avermelhadas, o interior escuro.

- Como é, man? Ou você é um covarde como tantos outros que eu matei, man?

- Não posso matar o mesmo homem duas vezes! Não sei o que está acontecendo, mas não posso!

- Está com medo, heim, man? Medo! Que pena. Você é bom, man. Bom demais, man. Mas vou ter que matá-lo então, man! Se não sacar, ham... vai morrer, man. O que acha, man?

- Não posso.

O braço direito moveu-se rápido e o colt cuspiu fogo, fumaça azul saindo de seu cano. A bala comeu o tecido da camisa e a carne do ombro de raspão. Mas ele permaneceu rígido e balançando a cabeça.

- Não posso. É blasfêmia.

O braço esquerdo mexeu-se como um raio enquanto o quadril coleava para a direita. O estrondo ecoou e o sibilo da bala encheu o ar. Um filete de sangue desceu por sua face direita, mas ele não se moveu sequer um centímetro.

- Não posso!

- Saque, man! Vai morrer, man!!

- NÃO POSSO!!!

O outro relaxou os braços, normalizou a postura das pernas, o sorriso desapareceu. Caminhou até ficar a meio metro de distância, o palito entre os lábios, os olhos olhando para os olhos que teimavam em olhar para o chão. Cuspiu o palito para um lado e falou, alto e claro.

- Ok, man. Da outra vez, você queria me matar, não queria? Mas apesar de ter enfiado uma ameixa no meu peito, man, você não me matou. E aí, man, eu voltei. Voltei para ver se você é mesmo homem. De fé, man. E agora, man, eu queria e poderia tê-lo matado, man. Mas você não quis me matar, man. Agüentou firme o tranco e a dor, man. E quando você não quis me matar, man, aí é que você me matou de verdade, man. Sou seu amigo agora, man. Quando você precisar, é só me chamar, man. E contra nós dois juntos, man, han..., - riu-se balançando os ombros - tenho até pena dos coitados, man..., não vai haver bala que chegue, man!

Sorrindo, deu as costas para o outro, que levantou a cabeça e o viu andar calmamente até o cavalo, montá-lo e sair trotando sem olhar para trás. Enquanto o povo se dispersava cheio de comentários, ficou ali parado no meio da rua poeirenta, seguindo-o com o olhar até vê-lo desaparecer na descida da colina que limitava a cidade e sabendo que possuía agora um amigo que nunca iria lhe faltar, mesmo que não compreendesse o que havia acontecido e o que aconteceria quando o chamasse, e nem mesmo soubesse seu nome.

 

acerca do conto...
Título: O Duelo
Data: 24/02/00
Autor: Carlos Silveira Filho
e-mail: [email protected]