Segundo o DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA de Francisco Torrinha,
licantropia define-se como "estado de
alienação, que leva o doente a julgar-se
transformado em lobo". Tal psicopatia é
bastante rara, mas existem casos clínicos que
comprovam a sua assustadora realidade. Talvez
seja destas sementes de verdade que tenha nascido
toda a superstição relativa ao temível e cruel
Lobisomem.
William Morris é um
desses casos. Até as suas iniciais W. M.
parecem prenunciar a maldição que se
abatera sobre ele; iniciais essas que remetem às
palavras Inglesas wolf man. William fora
abandonado pela família quando os seus
comportamentos animalescos começaram a
despontar, era ainda uma criança nos primeiros
passos da adolescência.
A princípio, William
identificava-se com o cão da família (mas de uma maneira
pouco divertida). Contudo,
depressa aprendeu sobre os lobos e o mito do
lobisomem, que entretanto se recontava em sussurros
por entre os habitantes da comunidade. Foi uma
questão de tempo até o rumor se espalhar de que
o infante se poderia transmutar inesperadamente
numa qualquer horrível e sanguinária criatura.
Tais conversas ouvidas às escondidas instilaram estranhos
medos no sub-consciente de William e acabaram degradando
a sua condição mental.
Foi quando certos animais de
criação começaram a desaparecer em circunstâncias
misteriosas que os murmúrios da população evoluiram para um
crescendo de protestos. Com a ignorância e a superstição
do seu lado, todos sabiam para onde apontar as culpas.
Então, e em segredo, acordaram sobre a melhor
coisa a fazer. Seguindo minuciosamente as lendas
que conheciam, construíram ao longo de várias
semanas uma dispendiosa lâmina de prata com a
qual planeavam dilacerar o coração do jovem. A
família, apercebendo-se do hediondo plano, levou
a criança para longe e abandonou-a ao seu
destino. A solidão e o desespero fizeram o
resto.
No conto é difícil
destrinçar a fronteira entre o mito e a
realidade. William Morris pode tanto ser um
"verdadeiro" lobisomem, como um infeliz
doente mental que todas as noites se julga
transformado em tal criatura. Não observamos uma
metamorfose física através da qual possamos
dizer «William Morris é um monstro», note-se.
Pelo menos tive o cuidado de não me entusiasmar
pelo fenómeno sobrenatural.
O enredo de WILLIAM MORRIS desenrola-se em 1888 na sempre
nevoenta Londres vitoriana, durante a época em
que o temível (e também ele quase mítico) Jack
o Estripador lançou a sua cortina de terror
sobre a cidade. William Morris não é Jack,
apesar de dar a entender a certa altura que o planeio explicar
assim. Apenas resolvi largar a personagem
principal naquela época para limitar as suas
acções enquanto "humano", já que
todos os polícias da cidade andavam de orelha
arrebitada por causa do assassino. Foi ainda uma boa
forma de manter as ruas quase desertas durante a noite,
quando a faceta lupina de William saía para caçar.
E após algumas
peripécias, a maldição de William Morris termina
com a sua própria morte.
É de certo modo uma referência à trilogia (?) DOPPELGÄNGER, em que uma personalidade dual
que neste caso é a do par homem-lobo
conduz quase inevitavelmente à
auto-destruição da personagem.
Porém, encontramos
desta vez a consciência do Homem versus a
irracionalidade do Animal. Mas qual delas carrega a intenção
do suicidío? Uma? A outra? A manipulação do Homem traíndo os
instintos do Animal, talvez? Uma vontade partilhada
pelas duas partes? E seria mesmo uma vontade, ou uma
consequência dessa perigosa fusão?
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