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feitiço contra feiticeiro
por Rafael Dória <[email protected]>

- É rapaz, hoje fazem cem anos que nós unificamos todas as nações do "Primeiro Mundo".

- Sim, senhor Presidente, mas "unificamos as nações" é meio fantasioso. Nós dominamos todas as nações do Primeiro Mundo.

- De fato, mas elas não sabem disso. Até hoje o povo pensa que seus países se unificaram por necessidade, para se fortalecer, e que os Estados Unidos terem ficado como líderes foi algo natural.

- Na verdade foi tudo premeditado.

- Certamente, e graças ao meu avô isso foi possível. Eu já lhe contei como meu avô mudou a história da humanidade?

- Dezenas de vezes, senhor presidente.

- Pois é, meu avô era uma pessoa importante no fim do século XX. Um acessor do presidente, como você, mas ele era muito mais inteligente do que você, claro.

"Ele era responsável por aqueles projetos malucos da época. Tinha que conversar com extraterrestres na Área 51, supervisava os projetos para estudar a tecnologia espacial alienígena, já que eles não cooperavam, essas coisas. Mas o que ele achava mais interessante era o projeto que tentava criar um cérebro artificial. Meu avô acabou por mexer uns pauzinhos, e conseguiu que esse projeto fosse levado mais a sério. Depois de alguns anos, conseguiram criar um robô, um andróide, que era perfeitamente igual a um ser humano. Sem um exame interno não era possível diferenciar um humano de um daqueles robôs. Seus cérebros positrônicos podiam ser programados para executar certas tarefas, e eles ainda aprendiam novas coisas, como uma pessoa aprende normalmente.

"Foi então que meu avô teve a idéia. A guerra fria estava terminando, mas os países europeus estavam se unindo, e queriam incluir a Rússia, o que seria péssimo para os Estados Unidos. O tal presidente da Rússia na época, Bóris Qualquer-coisa, estava muito mal de saúde. E a idéia genial do meu avô foi a seguinte: eles iriam acabar de matar o tal Bóris, e colocar um andróide no seu lugar. É claro que nós tínhamos vários agentes infiltrados na Rússia na época, e mandamos o andróide para lá. Quando o Bóris teve uma crise e foi internado no hospital, foi feita a troca. O andróide era tão perfeito que a pele do presidente russo foi usada para revestir o andróide, e ele a alimentava através de um processo em que ele ingeria a comida pela boca — até porque uma pessoa que não se alimentasse seria muito estranho — processava o alimento e nutria a pele viva com o que fosse necessário. E a partir daí a crise na Rússia se acentuou, e, mesmo com a União Européia tentando ajudar por debaixo dos panos, nós acabamos por dominar a Rússia economicamente.

"A partir daí, depois que a idéia inicial funcionou, o projeto se tornou oficial, e foi estendido a outras nações. A frança foi fácil. Aquele tal presidente da época, Jac Sei-lá-o-que, praticamente deu lugar ao robô, era um americano enrustido. Depois que ele fez aqueles testes nucleares, a popularidade dele caiu muito, e aproveitamos a confusão da Copa do Mundo para matá-lo e colocar o robô em seu lugar.

"Depois foi a vez do líder cubano, o Fidel Alguma-coisa. Cuba era o basicamente o único refúgio do Socialismo, mas nós tínhamos até base militar dentro da ilha, imagina se não teríamos agentes infiltrados no governo. Se bem que matar Fidel foi meio complicado, pois os cubanos eram muito fiéis ao seu comandante. De qualquer jeito, o andróide foi colocado lá, e tudo deu certo.

"Nosso plano apenas começou a dar errado quando partimos para consolidar a Alca, que nada mais era que um pretexto para conquistar a América.. Para consolidar a Alca, teríamos que acabar com o Mercosul, mas isso não era tarefa fácil. Os países da América do Sul eram muito unidos, não entre si, mas contra os Estados Unidos. Resolvemos então atacar o principal país do Mercosul, o Brasil. Na época eles haviam saído de uma grave crise econômica, mas esta não estava totalmente controlada. Ainda podíamos fazer com que a crise voltasse, o que seria ótimo para nós. O presidente Fernando Henrique Cardoso — esse eu lembro o nome porque toda hora vinha visitar a Casa Branca — foi substituído pelo andróide, mas o cérebro positrônico desse robô, para a infelicidade de meu avô, tinha um defeito. Ele começou a enlouquecer. Ficou com mania de grandeza. Conseguiu que fosse aprovado o projeto de reeleição, como estava em seu programa, mas depois disso enlouqueceu de vez. Começou a brigar por pouca coisa com seus acessores. Privatizou as telecomunicações do país, e o pior, deixou que uma empresa espanhola comprasse a melhor faixa do mercado. Depois deu autorização de exploração das bacias petrolíferas. É claro que no seu programa estava incluído isso, mas ele deveria vender essas autorizações para nós.

"Ele também resolveu brincar com as finanças do país. Primeiro deixou o preço do dólar subir para ver se conseguia baixá-lo depois, e não conseguiu. Aí começou a dar dinheiro para os bancos falidos, tirou todos os ministros de seus cargos para colocar outros piores, essas coisas. Mas ele acabou por estragar de vez, e pifou mesmo. Após um discurso anunciando que iria privatizar as universidades públicas, quando ele estava de volta ao seu escritório, o cérebro parou de funcionar e ele caiu, inerte.

"Foi então que se deu o inusitado. Os demais políticos do país eram tão corruptos, que aproveitaram a situação para tomar o controle do país. O grupo dominante, liderados por um gordo com um grande bigode branco, espalhou a notícia de que o presidente havia sido seqüestrado. Com o apoio da opinião pública, o vice foi posto no poder e, apesar de humano, era melhor controlado que um robô. Eles copiaram nossa estratégia, mas usavam seres humanos ao invés de andróides, o que provou ser mais eficaz. Enquanto nós desistimos da América do Sul e partimos para dominar a Europa, eles dominaram seus vizinhos e começaram a dominar também os países da África, Ásia e Oceania com uma espantosa velocidade. Pelo menos eles não tentaram competir conosco na Europa, mas agora meus espiões me dizem que eles querem montar uma base militar na Lua com a tecnologia que roubaram dos japoneses.

- Ah, então é por isso que o senhor está desse jeito. Toda vez que surge uma crise o senhor me conta essa história.

- Claro. Eu sempre tento tirar uma lição dessa história, mas acho que já tirei todas que podia. Acho que desta vez eles vão nos vencer. Não tem mais volta. Eles já estão presentes aqui na casa branca. Eu vejo seus agentes me vigiando por aí. Acho que eles querem me matar e colocar outro no meu lugar. Aí eles terão vencido.

- Então acho que já vencemos. Desculpe, senhor presidente, mas já que o senhor sabe o que vamos fazer, vou adiantar o nosso próximo passo. Vou ter que matá-lo. Adeus senhor presidente.

 

acerca do conto...
Título: Feitiço Contra Feiticeiro
Data: 27/04/00
Autor: Rafael Dória
e-mail: [email protected]