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Newsletter EVENTOS.
eventos 2.09 (23/04/00)
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                  Revista de TecnoFantasia

< http://www.geocities.com/simetriaEVENTOS >
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Nº 2.09    publicação semanal e gratuita       23 Abr. 2000
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Coordenação: Luís Filipe Silva
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«Não é que não me interesse pelos acontecimentos actuais.
É só porque ultimamente têm havido tantos!»
  cartoon de Robert J. Day


CONTEÚDO

DESTAQUE: Leituras Gratuitas
LITERATURA E AFINS: Turistas Eventuais
CIÊNCIA: O Que Sabemos Hoje e Não Sabíamos Ontem
FICÇÕES E CONFISSÕES
            UMA TURISTA DO OUTRO MUNDO,
                por Luís Miguel Sequeira, parte 5 de 8
Concurso de Ficção Primavera 2000

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Subscrições: enviar mail com subject/assunto «ASSINATURA» para:
                  [email protected]
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NOTA: A internet é o meio de educação e informação previlegiado
      do novo milénio. Neste sentido, *EVENTOS* encoraja a
      disseminação do conhecimento, autorizando a reprodução e
      envio da revista, desde que seja difundido na íntegra e
      com indicação completa da sua origem. Esta autorização
      no entanto só é válida para os artigos e notícias, e desde
      que o fim a que a reprodução se destina tiver natureza apenas
      didática - de modo nenhum deve ser difundido com fins comerciais.
      As obras de ficção aqui publicadas não estão abrangidas por
      esta permissão e são da propriedade exclusiva dos seus
      autores, pelo que a sua reprodução não autorizada é proibida.
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                         --oOo--
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EDITORIAL
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Um número de Páscoa mais reduzido do que o habitual (que até os
coordenadores de revistas de TecnoFantasia merecem descansar...),
mas do qual destacamos, ainda assim:

+a reportagem sobre as leituras gratuitas na internet

+o ensaio científico sobre o efeito de estufa

+o texto de TecnoFantasia de Manuel Pais, no extracto do seu
mais recente livro «Metacarne».

Até ao próximo número, e bons feriados.

Luís Filipe Silva

                         --oOo--

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|  - Isto aconteceu com a banda sonora - disse Nadine,        |
|  referindo-se à produção de um vídeo de há dez anos. - O    |
|  realizador precisava de mostrar que o músico, um violonce- |
|  lista, estava nesta fase da carreira a tocar melhor do que |
|  anteriormente, e o director musical diz: «mas já temos uma |
|  banda sonora excelente, não conseguimos fazer melhor. O    |
|  tipo toca violoncelo, e até conseguimos o melhor violonce- |
|  lista do mundo a acompanhá-lo, mas não temos contraste.»   |
|  O realizador diz então: «arranjem um violoncelista que     |
|  seja medíocre.» Apenas isso. Medíocre. Quando o melhor não |
|  basta, vai-se mais além, vai buscar-se o pior. Não é       |
|  fantástico?                                                |
|                                                             |
|                       Greg Bear, _A Raínha dos Anjos_       |
|                                                             |
|*EVENTOS* pergunta: parece-se com alguma situação que tenha  |
| encontrado ultimamente?                                     |
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DESTAQUE: LEITURAS GRATUITAS

Antes dos «tubarões» das grandes instituições terem tornado
a internet num veículo para fazer negócio e aumentar os lucros,
havia já pioneiros que tentavam fazer juz ao princípio de que
o conhecimento é para ser partilhado. Sigam o rumo dos romances
electrónicos gratuitos na internet, nesta senda pelas diversas
formas de como ligar os autores aos seus leitores.
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No início deste ano, Stephen King agitou o mundo da edição de livros
electrónicos ao publicar «Riding the Bullet», uma novela sobrenatural que
tornou disponível ao público através do site da editora Simon&Shuster, pelo
mero pagamento de 500 escudos. Esta iniciativa teve um sucesso imediato,
ultrapassando as expectativas e em particular a capacidade dos servidores em
responder aos milhares de solicitações para fazer o download do texto -
provocando bloqueios na capacidade de resposta, quer da editora quer das
livrarias Amazon.com e Barnes&Nobles.com, que ofereceram o livro de graça
durante algumas semanas.

O livro tem como suporte um utilitário desenvolvido pela Adobe, a reputada
distribuidora do Adobe Acrobat, a ferramenta de publicação mais reputada na
internet, que requer o registro pessoal do download para funcionar, e que
incapacita o leitor de fazer «copy/paste» para o computador. No entanto, em
pouco tempo os hackers já tinham descoberto os códigos da protecção e
começavam a disponibilizar no «mercado negro» da internet o texto completo.

É pouco previsível que Stephen King venha a sofrer quebras nos lucros devido
a esta intromissão, uma vez que as vendas foram da ordem do meio milhão de
dólares logo nas primeiras semanas, às quais se devem acrescentar os milhões
de dólares não contabilizados de publicidade em redor do seu nome. O autor
já assinou novos contratos multi-milionários para mais livros, e é
espectável a edição em papel, brevemente, do «Riding the Bullet». Muitos dos
leitores que quiseram obter o livro em primeira mão irão decerto adquirir a
edição em papel, para acompanhar nas estantes os outros livros da colecção.

Mas Stephen King não foi o primeiro, nem sequer o mais original. A
publicação de livros e textos literários no formato virtual existe há anos,
e tem vindo a desenvolver-se gradualmente com a difusão das ferramentas que
permitem o comércio electrónico e as transacções online - bem como o
desenvolvimento dos leitores de bolso, pequenos computadores com o tamanho
de calculadoras cujos écrans suaves permitiam uma leitura mais facilitada do
que os terminais tradicionais. Na verdade, há quem afirme que King nunca
teria tido sucesso se não fosse por estes pioneiros, normalmente
constituídos por autores e editores a quem os mecanismos tradicionais das
grandes editoras tinham recusado a colaboração e que viram na internet, como
tantos outros empreendedores solitários com falta de capital, a
possibilidade de tornar público o seu trabalho.

Mas que valor tem então o livro electrónico? Muito baixo, considera a
opinião pública. Não se trata de uma questão de formato, mas sim de
qualidade final do livro. Afinal, por muito divulgada que esteja a internet,
ainda é no mundo real que a cultura é falada, é vista, é discutida, e é
remunerada. E um autor, pretendendo dar a conhecer o seu trabalho, irá
tentar em primeira mão os meios tradicionais, embora dada a versatilidade da
tecnologia, já não descure a publicação virtual. Logicamente, na internet só
estará o refugo, os rejeitados.

No entanto, é bem possível que as tendências estejam a mudar, e muito
rapidamente. A associação de editoras reputadas com pequenas oficinas do
livro virtuais (veja o caso da Xlibris.com, já anunciado aqui no EVENTOS), o
encerramento de revistas tradicionais de grande circulação para passarem ao
seu formato online - como foi o caso do «escândalo» da OMNI, há alguns
anos -, bem como o recurso de certos editores a empreendimentos solitários e
individuais, como o caso da revista «Event Horizon» de Ellen Datlow, o site
dedicado a autores «Writers Online» de Nancy Kress e a revista «Tangent»
publicada por Algis Budrys tenham denotado que, mesmo que a era dos livros
electrónicos ainda demore, a nova tendência encontra-se já a bater-nos à
porta.

Como sempre, um novo meio de divulgação vem trazer ao mercado novos
jogadores e novas formas de influência - e os autores procuram adaptar-se e
aproveitar os ventos de mudança. Começa a ser tradicional que todos os
autores tenham um site pessoal com cariz «institucional», servindo
essencialmente de catálogo para as suas obras, indicação da sua biografia,
alguns artigos ou manifestações de natureza pessoal, informações e
eventualmente «links» para livrarias virtuais que permitam disponibilizar os
livros aos interessados. Alguns com mais conhecimentos tecnológicos, ou
dinheiro para investir, criam verdadeiros fóruns de discussão, actualizam o
site amiúde, adornam-no com imagens e música, e publicam newsletters, tudo
de forma a manter o leitor permanentemente exposto e recordado de que o
autor existe e se encontra a produzir.

Orson Scott Card constitui um dos melhores exemplos. «Hatrack River»
, baptizado segundo um dos rios mais famosos da sua
série de fantasia «Os Contos de Alvin Maker», parece ter sido abençoado com
o mesmo tipo de magia, pois em pouco tempo concentrou a actividade dos fãs,
dando-lhes possibilidade de ler obras em produção, conversar com o autor,
discutir sobre as implicações religiosas e filosóficas das suas obras, e no
fim, como Orson Scott Card explica em algumas das suas obras mais recentes,
incentivar o autor a fazer continuações dos livros que lhe granjearam mais
prestígio. O site tem uma actualização periódica, bastante actividade, e
serve como «montra» para dar a conhecer os novos lançamentos e actividades
literárias do autor.

Abordagem semelhante foi a escolhida por Greg Egan, cuja página pessoal
 contém não só uma selecção de
artigos e contos publicados em revistas, alguns deles premiados, como um
conjunto de aplicativos em java que exemplificam as obcessões e os temas
científicos que predominam nas suas obras. Por vezes, a riqueza de
informação pode ser nefasta, como ele próprio descobriu quando encontrou
numa revista do género a transcrição de uma entrevista que nunca chegara a
dar. Aparentemente, o cronista encarregado de fazer uma reportagem sobre o
autor não conseguiu entrar em contacto com ele, e aproveitou material da
internet para «fabricar» uma entrevista. A situação foi denunciada, e o
cronista já não pertence à revista. Mas a questão do copyright e da
facilidade de reprodução de texto e informação na internet permanece.

Mas para estes autores conduzirem os fãs ao site e levarem-nos a partilhar
um sentimento de comunidade foi facilitada pelas provas dadas no mundo real,
pelo catálogo de romances e contos e temáticas que foram sendo desenvolvidas
nas páginas e colecções frequentadas pelos entusiastas do género. A internet
acabou por ser apenas um meio facilitador da conversa. Mais dificuldade
tinham os autores pouco conhecidos, ou com poucas obras, ou publicados por
editoras de vão de escada - alguns destes teriam de recorrer a métodos mais
criativos.

Douglas Clegg  foi um desses autores. No ano
passado, excedeu as expectativas ao publicar em formato de série o seu
romance de terror «Naomi» por email, antes de ter sido impresso e
distribuído no formato físico pela editora. Tendo ido contra os avisos de
que iria perder leitores e desperdiçar uma boa obra, Douglas Clegg não só
chamou a atenção para a sua capacidade de escritor, como, julga ele,
aumentou a saída de um livro que de outra forma não teria tido visibilidade.

E de facto, é bem capaz de ter razão, pois Clegg é publicado por uma editora
obscura, a Subterrean Press  - aquilo que
nos EUA se considera uma «small-press» e que em Portugal é uma editora de
média dimensão, publicando alguns títulos por mês apenas com dois ou três
mil exemplares cada um. Num mercado em que existem cerca de 200 títulos
novos por ano só no género da FC e Fantástico, e em que os livros
«mid-list», que servem para encher espaço de prateleira e têm uma
rendibilidade baixa, duram apenas duas semanas nas livrarias e logo
desaparecem, a visibilidade acaba por ser praticamente nula, com uma tiragem
desta dimensão. Clegg tem agora 16 mil leitores que subscreveram a sua
«mailing list» da Egroups.com, e que a partir de 30 de Julho deste ano
começarão a receber periodicamente os capítulos do seu novo livro «Nightmare
House» - trata-se de uma história centrada ao redor de uma casa assombrada
que contém um mistério tenebroso, e o autor promete um livro fortíssimo. É
de novo um livro de terror. E sem dúvida que os leitores não ficarão
satisfeitos em ter o livro no formato de papel impresso: é tão barato e
prático comprá-lo numa livraria, uma compra segura pois já se conhece parte
da história, e pode-se sempre emprestar aos amigos. Obviamente que alguns,
tendo-o lido no formato electrónico, nunca terão vontade de gastar dinheiro
em algo que já conhecem - e nestes o autor e a editora perderão dinheiro.
Mas é possível que, agora que o conhecem, tenham vontade de comprar os
livros anteriores, ou os próximos.

Clegg sabe que o verdadeiro potencial de um autor se encontra na capacidade
de atraír, encantar e manter a audiência. É isso que o mantém vivo e a
escrever. No mundo real, um autor está condicionado pela dificuldade em
atingir as pessoas que gostariam de o ler: diga-se que as duas Maiores
razões pela qual um autor não vende têm a ver com a indisponibilidade dos
seus livros nas livrarias adequadas e com o desconhecimento por parte dos
potenciais leitores. Grande parte das vendas num início de carreira está
ligada à compra do momento - e quando esta compra não é facilitada, os
leitores esquecem-se e desistem. Por essa razão, a par da «mailing list» que
serve de distribuição para os capítulos dos seus livros, tem outras duas,
destinadas a meras conversas, ao um fórum de discussão entre o autor e os
seus leitores. Douglas Clegg encontra-se sempre presente, mesmo que de forma
difusa, na caixa de correio dos seus leitores.

Outros autores encontram-se, em início de carreira, a tentar ganhar um
conjunto de seguidores com iguais técnicas. De certa forma, estamos a
retomar o espaço dos folhetins e da literatura de cordel, que outrora tornou
famosos Charles Dickens e Camilo Castelo Branco. Quem acaba por ganhar com a
situação são os leitores internacionais, os que teriam apenas com grandes
dificuldades ter acesso às obras, ou conhecer o nome dos autores - os que
seguem atentamente os sites de FC por esse mundo fora.

Mas ainda assim, na imensa floresta (ou deserto?) em que a internet se
transformou, um mero autor encontra-se a ter cada vez mais dificuldade em
levar a cabo estas iniciativas, pelo que as peças se encontram a voltar ao
lugar. Pois nada garante a qualidade do que se irá ler. É sempre possível
ignorar, apagar as mensagens ou cancelar assinaturas - mas ainda assim há
quem não se dê sequer ao trabalho de tentar.

Para obviar este problema, há quem esteja a transformar a internet numa
imensa biblioteca. Iniciativas como o Projecto Gutenberg
 que são mais antigas que a WWW (a versão gráfica
e navegável da net), ajudam a enriquecer o espólio dos clássicos disponíveis
a qualquer um, a qualquer momento, tendo por base o donativo (em esforço) de
voluntários que se oferecem para passar a computador os textos dos livros
cujos direitos já vingaram. Neste site podem ser encontrados os grandes
livros dos séculos passados: H. G. Wells, Platão, Homero, a Bíblia, Stoker,
Defoe, Swift, Shakespeare, Milton, Dante, Tolstoy, Balzac, entre muitos,
muitos outros. Uma vez ultrapassada a dificuldade de ler o formato ascii,
têm-se à disposição um grande manancial das obras que formaram o pensamento
moderno.

Livros mais recentes, no entanto, são difíceis de encontrar, pela questão
dos direitos de autor. Mas não é de todo impossível. No campo da
TecnoFantasia, destaca-se a revista Infinity Plus
. Dirigida por Keith Brooke, também ele
autor de FC, contém um grande número de contos e artigos dos melhores
autores da actualidade, publicados com a permissão destes. É sem dúvida o
local onde se pode encontrar grande parte dos autores que hoje em dia
constituem o núcleo central da FC anglo-saxónica (e por inerência a
mundial). Alguns destes textos, e outros, encontram-se também no site
Steampunk , que mistura a história alternativa
com o género.

Outros locais onde se pode encontrar FC original de boa qualidade estão nos
defuntos «Omnimag» e «Event Horizon», já mencionados. Ambos tiveram origem
num projecto editorial de Ellen Datlow, durante anos a editora de Fc da
revista OMNI, sobejamente conhecida por, em parceria com Terry Windling,
publicar a colectânea dos melhores contos de Fantasia e Horror de cada ano.
Primeiramente na versão electrónica da OMNI, e depois no seu próprio site,
Datlow tentou manter viva a chama da sua capacidade editorial, publicando
mensalmente uma novela dos melhores autores do género (a selecção era tão
boa que algumas das histórias granjearam prémios). Mas qualidade parece que
não basta para uma revista virtual, e em breve o projecto seria encerrado,
pois visitantes e cliques não bastam para pagar contas quando os anunciantes
se recusam a pegar no projecto.

Então em que ficamos? Talvez em sites como o BiblioBytes
 que publica livros electrónicos, mas mantém uma
selecção de obras clássicas e actuais que disponibiliza gratuitamente no
site. Entre outros, podemos encontrar uma antologia de contos sobre
vampiros - contos escritos no século passado, antes da obra de Bram Stoker.
«Parable of the Sower», uma das mais polémicas novelas sobre o racismo,
escrita por Octavia Butler; «Gadget Man» de Ron Goulart; «The Ice Dragon's
Song» de Bud Sparwawk, colaborador frequente da revista Analog.

Essencialmente existe FC na internet, disponível, gratuita, abundante e com
qualidade. E não só FC, como literatura mainstream, policiais, romances
históricos, grandes clássicos - tudo, no entanto, com predomínio na língua
inglesa. Falta uma iniciativa portuguesa de colocar os clássicos portugueses
disponíveis a uma comunidade de leitores da que é a quinta língua mais
falada no mundo. Existe o projecto vercial, e o cyberkiosk, mas que se
encontram aquém do que já existe em língua inglesa, e mesmo em francesa.

E a internet acaba também por ser a forma de descobrir a literatura de FC
não anglo-saxónica. Espanha tem os seus autores, bem como Itália e França, e
algumas das suas obras estão na net. Autores brasileiros como o Gérson
Lodi-Ribeiro já têm as suas próprias páginas, e lá divulgam os contos e
artigos que vão publicando esporadicamente, tornando-se assim conhecidos
para uma comunidade Maior. EVENTOS é uma tentativa de fazer valer a ficção
portuguesa, e não é a única revista. Já não há desculpas para não conhecer
ou não ler - ou melhor, a culpa agora é dos motores de pesquisa, e se são
capazes de dar resposta aos pedidos de conhecimento.

                         --oOo--

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|                Site Recomendado da Semana                    |
|          POLE STARS - Ficção Especulativa do Canadá          |
|              http://www.baynet.net/~jackl/                   |
| (para leitores e autores de ficção científica e TecnoFantasia|
|  um conjunto de links e autores do outro lado do Atlântico)  |
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TURISTAS EVENTUAIS
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<> STEPHEN BAXTER GANHA PRÉMIO PHILIP K. DICK

O livro _Vacuum Diagrams_ foi o vencedor do prémio Philip K. Dick de 1999,
atribuído anualmente para os romances originais publicados em formato de
bolso nos EUA. A comunicação chegou no dia 21 de Abril, na convenção
Norwescon 23 em Seattle. O prémio tem o valor pecuniário de 1500 dólares.

Como menção honrosa, foi indicado o romance _Tower of Dreams_ de Jamil
Nasir.

Este prémio é patrocinado pela Philadelphia SF Society, tendo no ano de 1999
servido como membros do júri: Julie Czerneda, Catherine Asaro, Paul Di
Filippo, Charles Oberndorf, e David Porush. (Fonte: Locus)

_Vacuum Diagrams_ reune pela primeira vez os contos e noveletas da sequência
Xeelee, publicada ao longo dos anos em diversas revistas e antologias, e que
acabaria por chamar a atenção para o autor, Stephen Baxter, que visitou
Portugal em 1998 e foi convidado especial dos Terceiros Encontros de FC &F
organizados pela associação Simetria. Abarcando um período temporal de 10
milhões de anos, estes contos servem de ligação aos romances passados no
mesmo universo (_Ring_, _Flux_, _Raft_ e _Timelike Infinity_), e estão
povoados de milhares de alienígenas que sobrevivem nos mais estranhos
ecossistemas.

_Tower of Dreams_ é o terceiro romance de Jamil Nasir, filho de refugiados
palestinianos, tendo passado a Maior parte da infância no Médio Oriente, e
conta a história de Blaine Ramsey, um analista de imagens, que viaja para
terras exóticas, «bebe» o inconsciente cultural dos povos e regressa aos EUA
para imprimir nas campanhas publicitárias a sua percepção destas culturas.
Mas tudo se transforma quando é assolado pela imagem de uma rapariga árabe
em vias de sofrer um ataque brutal...

Links:
Vacuum Diagrams:

Tower of Dreams:



                         --oOo--


<> NOVO PRÉMIO: JAMES WHITE AWARD

De acordo com a revista Locus, encontra-se aberto o Prémio James White para
o melhor conto de ficção científica por autores não profissionais. O
vencedor será determinado por um júri constituído por Morgan Llewelyn,
Michael Scott, Michael Carroll, David Pringle e David Langford, devendo o
conto premiado ter publicação na revista «Interzone».

Os contos serão recebidos até 23 de Agosto deste ano. O concurso está aberto
a todos os escritores não profissionais de qualquer parte do mundo. Cada
escritor deverá enviar um máximo de três histórias originais, em inglês e
que tenham entre 2000 e 4000 palavras de extensão. A comissão de
participação tem o valor de 3 ou 4 libras por cada história submetida.

As regras e orientações de entrada podem ser consultadas no site
http://www.jameswhiteaward.com a partir do próximo dia 1 de Maio.

James White era o escritor de FC mais famoso da Irlanda, tendo falecido em
Agosto passado. De toda a sua obra, ficou mais conhecido pelo conjunto de
livros e contos passados num gigantesco hospital do espaço chamado Sector
General, e ocasionalmente publicado na Argonauta.


                         --oOo--


<> NOMEAÇÕES PARA O PRÉMIO HUGO

Foram anunciados os nomeados para o prémio Hugo, nas diversas categorias. Os
vencedores serão anunciados na convenção mundial de Ficção Científica, a ter
lugar em Chicago, EUA, nos dias 31 de Agosto a 4 de Setembro deste ano.

+Melhor Romance (334 nomeações entre 183 romances)
_A Civil Campaign_, Lois McMaster Bujold
_Cryptonomicon_, Neal Stephenson
_Darwin's Radio_, Greg Bear
_A Deepness in the Sky_, Vernor Vinge
_Harry Potter and the Prisoner of Azkaban_, J.K. Rowling

+Melhor Novela (191 nomeações entre 58 novelas)
"The Astronaut From Wyoming", Adam-Troy Castro & Jerry Oltion (Analog
7-8/99)
"Forty, Counting Down", Harry Turtledove (Asimov's 12/99)
"Hunting the Snark", Mike Resnick (Asimov's 12/99)
"Son Observe the Time", Kage Baker (Asimov's 5/99)
"The Winds of Marble Arch", Connie Willis (Asimov's 10-11/99)

+ Melhor Noveleta (168 nomeações entre 130 noveletas)
"1016 to 1", James Patrick Kelly (Asimov's 6/99)
"Border Guards", Greg Egan (Interzone 10/99)
"The Chop Girl", Ian R. MacLeod (Asimov's 12/99)
"Fossil Games", Tom Purdom (Asimov's 2/99)
"The Secret History of the Ornithopter", Jan Lars Jensen (F&SF 6/99)
"Stellar Harvest", Eleanor Arnason (Asimov's 4/99)

+Melhor Conto (189 nomeações entre 158 contos)
"Ancient Engines", Michael Swanwick (Asimov's 2/99)
"Hothouse Flowers", Mike Resnick (Asimov's 10-11/99)
"macs", Terry Bisson (F&SF 10-11/99)
"Sarajevo", Nick DiChario (F&SF 3/99)
"Scherzo with Tyrannosaur", Michael Swanwick (Asimov's 7/99)

+Melhor Obra Marginal (167 nomeações entre 74 participantes)
_Minicon 34 Restaurant Guide_, Karen Cooper & Bruce Schneier
_The Sandman: The Dream Hunters_, Neil Gaiman & Yoshitaka Amano
_Science Fiction of the 20th Century_, Frank M. Robinson
_The Science of Discworld_, Terry Pratchett, Ian Stewart, & Jack Cohen
_Spectrum 6: The Best in Contemporary Fantastic Art_, Cathy Fenner & Arnie
Fenner, eds.

+Melhor Filme (304 nomeações entre 106 filmes)
_Being John Malkovich_
_Galaxy Quest_
_The Iron Giant_
Matrix
O Sexto Sentido

+Melhor Editor Professional (203 nomeações entre 66 editores)
Gardner Dozois
David G. Hartwell
Patrick Nielsen Hayden
Stanley Schmidt
Gordon Van Gelder

+Melhor Artista Profissional (196 nomeações entre 103 artistas)
Jim Burns
Bob Eggleton
Donato Giancola
Don Maitz
Michael Whelan

+Melhor Revista de Actualidades (168 nomeações entre 38 revistas)
_Interzone_, editada por David Pringle
_Locus_, editada por Charles N. Brown
_The New York Review of Science Fiction_, editada por Kathryn Cramer, Ariel
Haméon, David G. Hartwell, & Kevin Maroney
_Science Fiction Chronicle_, editada por Andrew I. Porter
_Speculations_, editada por Kent Brewster

+Melhor Fanzine (195 nomeações entre 94 fanzines)
_Ansible_, editada por Dave Langford
_Challenger_, editada por Guy H. Lillian III
_File 770_, editada por Mike Glyer
_Mimosa_, editada por Nicki & Richard Lynch
_Plokta_, editada por Alison Scott, Steve Davies, & Mike Scott

+Melhor Escritor não-Profissional (191 nomeações entre 147 escritores)
Bob Devney
Mike Glyer
Dave Langford
Evelyn C. Leeper
Steven H Silver

+Melhor Artista Não-Profissional (164 nomeações entre 101 artistas)
Freddie Baer
Brad Foster
Teddy Harvia
Joe Mayhew
Taral Wayne

+Prémio Revelação John W. Campbell Award [Não é um Hugo] (110 nomeações
entre 72 escritores)
Cory Doctorow
Thomas Harlan
Ellen Klages
Kristine Smith
Shane Tourtellotte

A categoria de «noveleta» tem seis nomeações devido a um empate para o
quinto lugar. Michael Swanwick, que teve três nomeações na categoria de
conto no ano passado, tendo vencido com «O íntimo pulsar do mecanismo»
(publicado em Portugal no PARADOXO número 1, da Associação Simetria), voltou
a ter este ano dois contos nomeados para a mesma categoria.

Estreantes nestas andanças são Eleanor Arnason, Kage Baker, Neil Gaiman, Jan
Lars Jensen, Terry Pratchett, Tom Purdom, Frank M. Robinson, J.K. Rowling,
Karen Cooper, Bruce Schneier, Yoshitaka Amano, Ian Stewart, Jack Cohen,
Steven H Silver e Mike Scott.

Mais informações no site da convenção organizadora, a CHICON 2000:
http://www.chicon.org/


                         --oOo--

<> BREVÍSSIMAS

+Mais de 11000 fãs da triologia _Senhor dos Anéis_ de J.R.R. Tolkien
assinaram uma petição na net a implorar que os produtores dos filmes
actualmente em rodagem na Nova Zelândia fossem fiéis à obra. Mais detalhes:


+Arthur C. Clarke, famoso escritor de FC, cientista que recebeu o crédito de
ter «inventado» a órbita geo-estacionária (agora chamada de órbita de
Clarke), foi galardoado com uma rara homenagem ao ver o seu nome ser
atribuído ao novo satélite de comunicações da organização europeia de
satélites (EUTELSAT), lançado no dia 18 de Abril a partir do cosmódromo de
Baikonur no Cazaquistão.

+O realizador James Cameron acabou de negar a sua participação nas
continuações do Exterminador Implacável, partes 3 e 4. De acordo com
declarações já efectuadas, quer Arnold Schwarzenegger quer Linda Hamilton
(ex-esposa de Cameron) afirmaram que não iriam participar no projecto se o
realizador recusasse. O que significa que, dos actores que participaram nos
dois primeiros filmes, restarão Edward Furlong e Michael Biehn como
possíveis participantes do projecto. Mais detalhes:


                         --oOo--

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O QUE SABEMOS HOJE E NÃO SABÍAMOS ONTEM
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<> O PROBLEMA DO CARBONO

No ano de 1988 começou a surgir a consciência do «efeito de estufa». Embora
só existam registos atmosféricos a partir de 1850, foi verificado que 1987
tinha sido o ano mais quente de todos, sendo suplantado no ano seguinte.

Qual a razão? O dióxido de carbono actua na atmosfera aprisionando o calor.
A luz do sol que nos chega de dia atravessa a atmosfera com poucas
interferências e como resultado provoca o aquecimento da atmosfera. Durante
a noite, o calor é irradiado de volta à atmosfera, sob a forma de radiação
infravermelha. Os principais componentes da atmosfera são tão impermeáveis
aos infravermelhos como à luz no espectro visível, contudo o dióxido de
carbono, presente em menor percentagem, absorve a radiação e reflecte-a. Uma
parte da radiação reflectida regressa à superfície, mantendo a Terra mais
quente do que aconteceria caso não houvesse dióxido de carbono - daí a
designação «efeito de estufa».

O que acaba por ser benéfico à vida. Pois se não houvesse dióxido de carbono
na atmosfera, a Terra estaria numa idade de gelo permanente. Por outro lado,
serve como elemento indispensável no processo da fotossíntese das plantas.
Sem a presença desse gás na atmosfera, as plantas não cresceriam e não
haveria vida na Terra, com a possível excepção das bactérias. Contudo, se a
proporção fosse Maior, a Terra seria ainda mais quente.

A proporção de dióxido de carbono na atmosfera antes da idade industrial era
de cerca 0,027 porcento. O que parece muito pouco, mas era o suficiente para
manter a Terra aquecida e as plantas a crescer. Desde essa época, contudo, a
proporção tem vindo a aumentar continuamente, e em 1958 constituia já 0.030
porcento da atmosfera, e em 1988, 0,035 - e sempre a subir. O que continua a
não parecer muito, mas é o suficiente para aquecer ainda mais a Terra.

A temperatura média da Terra era de 14,5 graus C. em 1880, e em 1988
estavamos já com 15,4 graus C. O que continua a parecer pouco, mas tem
impacto em diversos factores do ecossistema, em particular a subida do nível
dos oceanos.

Em parte, a subida do nível dos oceanos advém do facto que a água se expande
quando fica mais quente. Existe tanta água nos oceanos que mesmo uma
diferença de 1 grau C. tem consequências visíveis.

Por outro lado, temos o derretimento das calotas polares e do gelo da
Antártida. Embora este derretimento ainda demore bastante tempo a acontecer,
imaginando que todo o gelo da Terra se tornava em água líquida, o nível da
água subiria cerca de sessenta metros, provocando o desaparecimento de quase
todas as linhas costeiras actuais.

Esta descoberta, contudo, não terá sido efectuada apenas em 1988, pois os
cientistas conhecem há muito o «efeito de estufa» e há muito que é causa
para preocupação. Portanto, não se trata de um caso «o que sabemos hoje que
não sabíamos ontem», mas o facto é que, apesar dos avisos e das análises
efectuadas, e embora muitos países tenham tentado estabelecer políticas de
controlo ecológico, o facto é que a nossa civilização produz demasiados
desperdícios para que se consiga controlar, na forma actual, a sua emissão.
E não existe ainda tecnologia alternativa, que não tenha por base a energia
proveniente do fogo - ou seja, a combinação de oxigénio e carbono para
produzir dióxido de carbono.

Para mais informações, recomenda-se o livro «Os Próximos 100 Anos», de
Jonatham Weiner (Gradiva), um excelente relato sobre o efeito de estufa e as
suas consequências.

Link: http://www.mediabooks.pt/cgi-bin/mostralivro.cgi?id=43523

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FICÇÕES E CONFISSÕES
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Extracto de METACARNE

Manuel Pais


Manuel Pais tem apenas 29 anos, mas já não é novo nestas
andanças. Em tempos participou, juntamente com uma geração
de escritores jovens, no DN Jovem, o suplemento do Diário
de Notícias. Depois passou para a BD, e juntamente com Álvaro,
publicou no Se7e  «Stereotype of one heavy-metal». A palavra
nua e crua chegaria com «Prazer para adultos sem tempo», que
se pode encontrar nas Publicações Europa-América. Finalmente,
chegou o seu testamento à TecnoFantasia, o livro (meta-livro?)
«Metacarne», em edição exclusiva da Oficina do Livro e que se
encontra nas melhores livrarias. «Metacarne» é um livro diferente,
um romance ou não-romance feito a partir de mensagens desconexas
e frases trocadas em correio electrónico, e com emoticons à
mistura. A acompanhá-lo um posfácio em forma de glossário para
os menos ciber-entendidos. É deste livro que apresentamos agora
um extracto, e com um desafio feito pelo autor: que seja o leitor
a acabar a história da forma que melhor lhe aprover.


zzzzzzz


Escolha uma hipótese de fim e desenvolva, escreva no máximo meia página A4
em Futura de corpo 13. Envie para [email protected].

Os que mais agradarem ficarão disponíveis online, em 
 e 
, para serem continuados.

A história não tem fim enquanto RESISTIR quem continue.

Finais sem fim, sempre o princípio de novos fins por caminhos a abrir.

(Todos os versos em inglês estão em  «Ok Computer» dos Radiohead.)


z0

"in a interstellar burst i am back to save the universe"
("Airbag")

Cristo desce à Terra na forma de _bot_. Tira-nos a necessidade de
materializar os sonhos, não nos deixa cair em tentação, mas livra-nos do
mal. Aceitamos a incerteza com a certeza de Deus. Aceitamos a ignorância com
o conhecimento de Deus. Resolve-se a questão das dúvidas existenciais com
uma resposta directa: «Sei lá por que é que estamos neste mundo!»


z1

"when i am king you will be first against the wall / with your opinions that
are of no consequence at all"
("Paranoid Android")

Os seres humanos fartam-se da proximidade mental e distância corporal,
desligam as tecnologias de estagnação para voltarem às técnicas de
movimentação. Viram-se para a descoberta de novas fronteiras. Partem
voluntários para a colonização de novos mundos, com outras estrelas, onde as
inteligências, vidas, naturais e artificiais se encontram com inteligências,
vidas, alienígenas. Os mais felizes levantam cidades capitais e fundam
civilizações, dos outros não se sabe a história.


z2

"now we are one / in everlasting peace"
("Exit Music (for a film)")

Paulo _Gws-2600_ #DPD-20 é recuperado como _herói verdadeiro_ pelos
sobreviventes da revolução que liberta todos os seres do excesso de
amor-próprio. Apaixona-se por uma _beta_, namora, casa. Programa dois filhos
que se convertem num _vírus_ e numa _applet_. Perde de vez a vaidade, quer
*apenas* uma vida sossegada. Adora ver a _bot_ companheira espreguiçar-se
muito satisfeita só com um soutien em faixa transparente de cetimpixie
prateado depois de 15 horas bem passadas a correr por amor.


z3

"you know where you are with / floor collapses / floating around / bouncing
back and one day / you'll know where you are"
("Let Down")

Os 20 seres humanos acordados despertam quase todos os outros. A Natureza
tende a seguir um rumo equilibrado, desde que feito de caos. As pessoas
insistem na indecisão entre a ordem e a desordem. O pós-pós-modernismo apaga
de vez todos os nomes  próprios e apelidos, reacende a consciência/desejo
das acções impróprias. A comunicação é guiada somente pela linguagem
corporal. Ninguém está livre em lado nenhum de ser cruelmente subjugado por
alguém com mais fúria de viver.


z4

"concerned (but powerless) / an empowered and informed member of society
(pragmatism not idealism) / will not cry in public / less chance of illness"
("Fitter, Happier")

As almas chinesas, estabilizadas nos mil milhões por controlo genético do
nascimento/envelhecimento, tornam-se o centro do mundo que não tem centro
porque os sólidos não têm o centro à superfície. Não vivem aqui e agora a
olhar para a frente, vão vivendo com paciência, cool, mas nuts, aproveitam o
dia para fazer coisas que só por acaso lhes vão trazer a desejada
prosperidade flagrante. Ordenam a construção de monumentos colossais. Alguns
fazem-se congelar pelo método da criogenia, na esperança de ressuscitarem
quando já tiverem o domínio da vida.


z5

"kill me Sarah / kill me again with love / it's gonna be a glorious day"
("Lucky")

A tecnologia avaria. As defesas não funcionaram, os bots reparadores também
avariaram. Subitamente, estão sem saber o que fazer e começam a ter fome.
Despertam todos. Porque o mal é impossível no conhecimento, porque o bem, a
justiça, a verdade, essas coisas, são absolutamente impossíveis, porque Deus
não é querido nesta Igreja, não se prendem a nada. Gostam de mergulhar no
que dá o prazer de não se sentir o tempo a passar e o espaço a cansar. Fazem
o amor puro e duro que cresce dos egos equilibrados. Não sabem o que vão
fazer amanhã e não querem mesmo saber. Nunca se conhecem completamente a
eles e aos outros e ainda bem. Não sabem se o amor dá sempre para tudo, mas
mergulham de cabeça numa orgia de metade sexo e metade sentimentos. Vão
livres quase em paz.

z6

"hey man slowdown / slowdown"
("The Tourist")

Imagine.

Transfer interrupted!

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(c) 2000 Manuel Pais e Oficina do Livro
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UMA TURISTA DO OUTRO MUNDO

Luís Miguel Sequeira

(Parte 5 de 8)


*CAPÍTULO 5*

Myra apontou para a linha dupla de ferro que brilhava ao sol escaldante,
percorreu-a pelos gentis montes, entre a vegetação escassa dos baldios, até
a um edifício branco. - Bom, o plano brilhante de ir até à estação foi por
água abaixo, - anunciou ela, com muita calma.

Paulo observou a situação. Os militares não eram estúpidos; em vez de
fazerem uma busca pelos campos adentro, tinham tomado os pontos-chave que
seriam mais óbvios como ponto de fuga. E depois iam percorrer os campos.
Junto à estação estava estacionada uma chaimite e vários jipes com
metralhadoras montadas. De alguns camiões militares que chegavam pela
estrada saíram vários pelotões armados de eternas G3; começavam a dispersar,
a formar uma linha bastante comprida, e a avançar calmamente ao longo da
suave colina.

- Merda! - exclamou Paulo, furioso e amedontrado ao mesmo tempo. - Os tipos
não são parvos nenhuns... provavelmente também cortaram as estradas. Ou até
as entradas em Beja... e agora, pacientemente, vão explorar a zona toda...
daqui a pouco mandam uns helicópteros, o Alentejo nesta zona é plano, será
fácil de nos encontrar... estamos perdidos! Que burrice, eu devia saber que
isto não funcionava... os militares podem ser muito incompetentes, mas não
são totalmente incompetentes. - Em desespero, deixou pender a cabeça e
suspirou. O calor apertava, estava a ficar com muita sede...

Myra não disse nada. Ficou a observar os soldados que se aproximavam. Depois
continuou a marcha do tractor, na direcção da estação.

- Que estás a fazer? - perguntou Paulo, reparando no que ela estava a fazer.

Mas Myra prosseguiu a sua viagem.

- Pára! - exclamou Paulo então. - Para onde pensas que estás a ir?

- Agora é a tua vez de confiares em mim, - disse ela pacatamente, virando a
cabeça e olhando para Paulo, os seus olhos azuis frios, penetrantes. - Eu
confiei em ti para me tirares do quartel, não confiei?
Por momentos a máscara da menina mimada caíu, revelando algo de diferente.
Paulo estava admirado. Myra podia, por vezes, hesitar, mas não parecia ter
medo de nada. Menos do que ele, sem dúvidas; e ele era supostamente um
detective treinado... bem... ou quase.

A jovem prosseguiu a marcha no sentido do grupo dos soldados mais próximos.
Estes mandaram-nos parar, o que Myra fez com alguma relutância, como se
tivesse receio de que o tractor não voltasse a pegar. Paulo estava
estupefacto; que é que ela ia fazer? Render-se?

Mas não fez nada disso. Aproximou-se apenas do sargento do pelotão, e
disse-lhe com firmeza de que ia para a estação de combóio. Mais nada. O
sargento pareceu hesitar. Depois acenou afirmativamente, fez um gesto ao
resto do pelotão, e continuaram a sua busca. Myra voltou calmamente para
junto do tractor, e, com um safanão, voltou a colocar o motor em andamento.

O detective não podia acreditar no que tinha acabado de presenciar. Os
soldados tinham-na ignorado completamente!

- Como raio é que fizeste isso!? O que é que lhes disseste?

Ela encolheu os ombros.

- Hipnotizei-os, - disse simplesmente, como se fosse a coisa mais natural
deste mundo.

- Hipno... o quê, assim sem mais nem menos? Mas... como sabias que ia
resultar? E como conseguiste hipnotizá-los assim tão depressa?

- Julgas que não passei por outras más situações na Terra? - troçou ela, um
pouco do seu bom humor quebrando a fachada séria.

- O hipnotismo funciona muito bem nestas situações... mas aviso-te que não
funciona com toda a gente. E é preciso apanhar as pessoas de surpresa, mesmo
as que sejam vulneráveis ao hipnotismo, conseguem resistir se souberem o que
lhes está a acontecer.

- Hipnotismo, - disse Paulo, fascinado. - Podias ter-me dito antes, tinha
facilitado imenso as coisas na base...

Ela encolheu os ombros. - Disseste para eu ficar calada, que tinhas um
plano... eu confiei em ti e obedeci.

- Touché, - admitiu Paulo, resignado com a situação. - Bem, isto talvez
funcione... mas há dezenas ou centenas de militares na estação, não os
consegues hipnotizar a todos.

- Basta apenas os graduados, - explicou ela. - Os restantes seguem as
ordens...

O detective abanou a cabeça, encolheu os ombros.

- Tudo bem, força nisso... não temos mesmo nenhum outra alternativa. Ou
funciona, ou estamos arrumados.

Mas o facto é que funcionou. Paulo teve a distinta sensação de estar
invisível. Sempre que algum dos militares de aproximava para os interrogar,
afastava-se perfeitamente convencido de que eles não eram as pessoas que
estavam à procura e deixavam-nos em paz, tal como a um grupo de pessoas que
aguardava o combóio.

Limparam-se o melhor que puderam nos sanitários públicos (com Paulo quase em
pânico de que entrasse algum militar, com Myra ausente - mas isso felizmente
não aconteceu). Depois compraram dois bilhetes para Lisboa e aguardaram na
estação à sombra, bebendo água que se vendia num pequeno anexo.

- Podias ter também hipnotizado a mulherzinha do bar para nos oferecer a
água, - comentou Paulo, com um sorriso malicioso.

Myra lançou-lhe um olhar furioso.

- Eu sou uma pessoa honesta, Paulo. Isso seria perfeitamente imoral. Em
questões de vida ou de morte...

- Estava a brincar, - acrescentou Paulo rapidamente. Para detective da
Polícia Judiciária, o seu comportamento estava a ser perfeitamente
escandaloso. Rapto, mentiras, falsificações, destruição de propriedade
alheia, fuga das autoridades, roubo de tractores, hipnotismo... já dariam
uns anitos na cadeia, pensou Paulo, pensativo. Que iria Duarte Nunes pensar
de tudo isto? Pior: o que iria o Velho dizer? Subitamente sentiu-se
tremendamente inseguro em relação a toda a situação. Não seria assim tão
difícil apanharem-no, se quisessem. E a jovem extraterrestre não podia
hipnotizar todo o mundo. Mais cedo ou mais tarde seria apanhado em
flagrante. Ou não? - Durante quanto tempo é que duram os efeitos do
hipnotismo? - perguntou a Myra.

- Tempo...? Bem, é instantâneo, diria eu, - explicou ela, não compreendendo
aonde Paulo queira chegar.

Este explicou:

- Alguém que «pense» que não nos encontrou, durante quanto tempo é que
continuará a pensar isso?

- Acho que para sempre... para todos os efeitos, apenas lhes coloquei a
sugestão hipnótica de que não éramos as pessoas que eles procuravam. Isso
tem efeitos permanentes. Eles não se vão lembrar mais tarde das nossas
caras, se é isso que te preocupa.

- O que me preocupa é saber quando seremos apanhados em flagrante, -
murmurou Paulo, descontente.

Myra, surpreendentemente, sorriu. Passou a mão pelo seu longo cabelo.

- Ora, não te procupes demasiado com isso! Eu nunca fui apanhada em
flagrante, se queres mesmo saber. E passei por situações muito
complicadas... claro que esta talvez tenha sido a mais complicada de todas,
mas enfim...

- Há imensas pessoas que me podem identificar. A dona da pensão onde passei
a noite, a empresa a quem aluguei o carro, os militares na base... é apenas
uma questão de tempo, - afirmou Paulo. Tirou um lenço de papel, enxugou as
gotículas de suor que lhe surgiam na fronte, tanto devido ao calor como
devido à insegurança que sentia. - Conhecem o meu rosto, podem verificar nos
arquivos da Judiciária... também devem ter uma fotografia tua, podem fazê-la
circular na televisão, nos jornais...

Myra apenas sorriu.

- Pois podem.

- Não pareces muito preocupada, - fez notar Paulo, cuja imaginação
prodigiosa lhe indicava mil e uma maneiras de serem apanhados em menos de 24
horas.

Ela encolheu os ombros.

- A Polícia Judiciária costuma apanhar toda a gente, temos quase 100% de
sucessos na captura de criminosos, - adiantou Paulo.

- Claro que depois os tribunais levam eternidades a efectuar os julgamentos,
e não há espaço nas cadeias para tanta gente, mas... o facto de te quererem
dissecar ou pior é um factor atenuante... teria quanto muito uma pena
suspensa, mas não poderia continuar a trabalhar na Polícia... argh. -
Sacudiu a cabeça. - Como podes ficar assim tão calma?! - exclamou, quase
furioso pela indiferença de Myra.

- Achas mesmo que vão fazer uma caça ao homem assim tão intensa? - perguntou
ela, de facto com enorme calma.

- Podem fazê-lo, têm meios para isso...

- Pensa um bocadinho no assunto. Jornais e televisão a apresentarem uma
extraterrestre em fuga? «Estimados concidadãos, se virem esta pessoa, por
favor contactem a base militar mais próxima; trata-se de uma perigosa
extraterrestre que escapou e que se encontra à solta. Dão-se alvíssaras por
qualquer informação que conduza à sua captura».

- Bem, ok, estou a exagerar, claro que isso não seria feito dessa forma,
seria apenas noticiado um «criminoso» em fuga, mais nada, - disse Paulo. - E
podem fazê-lo mais discretamente, enviando as nossas fotografias para todas
as esquadras e postos da GNR do país. E eventualmente postos de correio,
agências bancárias... nunca seria preciso referir que se tratava de uma
extraterrestre e de um agente da Polícia Judiciária...

- E depois? O que acontecia quando nos capturassem? - perguntou Myra,
pestanejando inocentemente.

- Cadeia para mim, a sala de operações para ti, - resmungou Paulo.

- Cadeia para ti? Não me parece. Estás a ver o comandante da base de Beja a
admitir, mesmo que em privado, que tinha deixado escapar uma
extraterrestre...?Depois dos alaridos, dos interrogatórios, de tanta gente
que passou pela dita base e que viu a segurança da mesma? E o que fariam as
potências estrangeiras se soubessem do que se tinha passado? Nunca mais
confiariam em Portugal para uma operação importante... pois se com um ardil
tão básico tinha sido possível raptar uma extraterrestre de uma base de alta
segurança, que confiança seria possível de ter num país como o vosso?

- Isso é muito bonito, mas podiam fazer-te regressar à base de Beja sem
ninguém saber que tinhas saído de lá, - disse Paulo.


- Montam uma investigação secretíssima, eventualmente apenas militar, e
fazem com que ninguém, mas mesmo ninguém, saiba o que se passou realmente. -
Fez um gesto largo, abrangendo os militares na estação de caminhos de
ferro. - Tudo isto pode ser ocultado sob o pretexto de um exercício militar;
os graduados apenas precisam de saber que têm de prender uma pessoa como
objectivo do exercício. Se calhar nem estão a levar a operação muito a
sério. Capturam-nos, devolvem-nos à base, e pronto. Ninguém precisa de saber
mais nada.

- Tudo isso é muito bonito, Paulo, mas esqueces-te de que só têm até depois
de amanhã para resolverem o assunto, - disse ela calmamente, bebendo mais um
golo de água da garrafa.

- Como assim?

- Ora, a operação... vão imediatamente reparar que falta uma pessoa, - disse
Myra. - Se não nos capturarem nas próximas 48 horas, vão precisar de uma
desculpa muito convincente para explicar a minha ausência.

- Hum... - fez Paulo, pensativo. Depois lembrou-se de um pormenor: - Myra,
no relatório a que o Duarte Nunes teve acesso - o meu superior, o psicólogo
da nossa unidade - nunca mencionaram a tua sobrevivência.
Myra acenou afirmativamente. - Então o caso muda de figura... os portugueses
não querem colaborar com os vossos aliados. Vão apenas apresentar os corpos
dos... meus amigos, - disse, hesitando. - E a nave, claro. Portanto, existe
um número reduzidíssimo de pessoas que sabem que eu estou viva.

- E vão fazer tudo para te recuperarem.

- Mas têm de ser inifinitamente mais subtis, e agir no Maior do
secretismo, - disse ela. - Conspirações dentro de conspirações... - Riu-se
de súbito. - Pior do que na Aliança!

- Um grupo português de acesso incrivelmente restrito sabe que estás viva.
Usam a própria descoberta da nave e dos seus tripulantes mortos como uma
enorme fachada para esconder a verdade: que existe um tripulante vivo. Este
grupo sabe que escapaste. Mais ninguém sabe da tua existência. Mas eles não
podem ter recursos infinitos. Não podem recorrer aos jornais, à televisão,
nem às autoridades. Apenas podem recorrer a eles próprios. Hm. Vai-lhes
dificultar enormemente a sua missão.

- Além disso, eles fizeram explodir o teu carro, e não nos encontraram, -
realçou Myra.

- Isso não quer dizer nada, vão saber que os corpos não estavam lá. Sabem
que escapámos, ilesos. Não sabem como escapámos. Mas sabem que estamos
vivos.

- Mas se o grupo é assim tão restrito, não vão poder arranjar outro pretexto
de manobra militar de busca de fugitivos, - notou Myra, e Paulo concordou
com ela.

- Vão ter de agir isoladamente, recolhendo pistas aqui e ali...

- Mesmo que nos encontrem, não te podem entregar à justiça.

- Podem forjar dados...

- Apenas por vingança? Não me parece, arriscam-se a que tenhas um bom
advogado e que exponha a falsidade desses dados, - raciocionou a jovem
extraterrestre. - Não acredito que eles arrisquem que tu faças chantagem com
eles, expondo a verdade.

- Mas ninguém acreditaria na verdade! - exclamou Paulo. - Mesmo Duarte Nunes
não estava muito convencido, e achou que era melhor eu esquecer tudo, pois
algo de anormal se passava no interior daquela base.

- Enquanto estiver viva, sou prova da verdade, - explicou Myra.

O sol atingira o ponto mais alto do céu e o calor continuava insuportável.
Não soprava a menor brisa; gastaram o resto da água. À medida que se
aproximava a hora de chegada do combóio, surgiam mais pessoas na plataforma
da estação. Muitos militares aproximavam-se dos viajantes que entretanto
tinham chegado, mas nenhum voltou a interrogar Paulo e Myra. Para já,
continuavam a salvo. A actividade militar continuava, pelas colinas viam-se
jipes e soldados a pé. De vez em quando um helicóptero sobrevoava a estação.

- Por falar nisso, como é que podes provar que não nasceste na Terra? És
humana, disseste-me que és perfeitamente indistinguível de qualquer
terreste, mesmo a nível do DNA...

- Oh, posso contar imensas coisas sobre a Aliança, - disse ela,
despreocupadamente. - Acredita, se for mesmo preciso provar que não nasci na
Terra, tenho meios para o fazer.

- Tais como...? - perguntou Paulo, interessado.

Ela fitou-o nos olhos.

- Bem... podem remover o transdutor cirurgicamente.

- O que é o transdutor?

- Um dispositivo que nos é implantado à nascença, serve para uma série de
coisas... identificação automática perante todo o tipo de dispositivos...
telecomunicações... contém a nossa base de dados pessoal, etc. - Voltou as
palmas das mãos para mim.

- Está na palma da mão e não é revelado pelos vossos raios X pois têm
exactamente a mesma densidade da carne humana. E é minúsculo. Temos dois, um
em cada mão, caso algum se avarie, o que é pouco provável... podem remover
isso e verificar que não foi produzido na Terra. Ademais, ao fazerem a
autópsia dos meus amigos vão provavelmente encontrar isso, sem saberem o que
é ou para que serve. Se for preciso provar sem sombra de dúvida a minha
história, tenho sempre esta maneira de o fazer. Simples, não é?

- Confesso que nada disso me teria alguma vez passado pela cabeça. E eles
quando fizerem a autópsia, sabem que tu tens esse... implante. E que tens
maneira de provares a tua história. Logo, não me podem prender assim nem
mais nem menos, porque sabem que posso fazer chantagem contigo. Hm. Isto,
claro, se não nos separarmos... se eles te eliminarem, não tenho provas
nenhumas para apresentar.

- Ora, meu caro! Não és tu um agente da autoridade? Escreves um relatório,
na presença de testemunhas, e assinado por mim, com provas irrefutáveis.
Guardas isso num sítio seguro, com várias cópias redundantes, e instruções
precisas para a informação ser revelada à imprensa se alguma coisa nos
acontecer. Até parece que nunca viste nenhum filme policial! - ironizou ela.

E tinha razão, de facto.

- Eles provavelmente a esta hora sabem quem eu sou e o que vamos fazer, -
disse Paulo, pensativo. - Mas não existe, de facto, melhor maneira de
assegurar que possam fazer alguma coisa para evitar isso. Sabem que eu não
vou usar essa informação de livre vontade, mas que o poderei fazer se for
ameaçado... portanto, vão ter de negociar.

- Ou ignorar tudo, - disse Myra, esperançosa. - Repara: tu de certeza que
não vais divulgar essa informação, pelo menos se quiseres manter o teu lugar
numa força da autoridade, certo? Julgo que deves estar sob juramento para
manter confidenciais certos assuntos de Estado...

- Sim, mas eles não sabem porque é que te raptei, posso ter querido vender a
informação a outro país, por exemplo... - notou Paulo. - Eles não sabem
isso. Por isso vão precisar de ter a certeza absoluta das nossas intenções.
Vão ter de nos descobrir e negociar. Não se podem arriscar a destruir-nos, a
não ser agora, nesta fase em que claramente não tivemos maneira nenhuma de
guardar a informação em local seguro...

- Portanto, têm de ser muito rápidos se nos quiserem apanhar, certo? Depois
disso será tarde demais. Por outro lado, nós teremos de ser o mais rápidos
possíveis a recolher essa informação. - O seu rosto iluminou-se com um
sorriso. - Bem, creio que temos um ponto de partida para isso. Podemos usar
o satélite...

- Qual satélite? - perguntou Paulo, perplexo. - De que estás a falar?

- Antes de aterrarmos, lançamos sempre um satélite em órbita da Terra, -
explicou Myra.

- Não percebo. Para quê?

- Oh, montes de coisas... comunicações, principalmente. Não é um satélite
geoestacionário, percorre toda a Terra. A ideia é podermos comunicar entre
nós via transdutores caso nos separemos, para podermos combinar coisas, como
o ponto de encontro... uma vez enganei-me nas datas de partida de um avião
das Antilhas, e não havia maneira de avisar o resto do grupo que não
conseguiria chegar a tempo ao local onde tínhamos escondido a nave para a
viagem de regresso... usámos o satélite para combinarmos uma nova data. É
útil. No regresso, levamos o satélite connosco. Oh, é perfeitamente
indetectável com a vossa tecnologia. Mas posso enviar para lá um relatório
bastante completo. Além do mais, com uma modificação apropriada de um
emissor de laser, pode-se arranjar maneira do satélite responder, mesmo que
a informação seja inintelegível... ou posso fornecer a órbita precisa do
satélite, se for caso disso. Pode-te servir também como prova da nossa
existência. Se enviarem um Space Shuttle para essa órbita, podem recolher o
satélite, e verificar que não foi desenvolvido com tecnologia terrestre... é
um excelente sítio para guardar informação. Posso, inclusivé, programar o
satélite para emitir uma gravação de vídeo a determinadas horas para certas
posições... mesmo que, por exemplo, apanhem todas as cópias de segurança que
tenhas feito sobre a minha história, pode-se arranjar maneira do satélite
emitir tudo para as agências noticiosas, a uma dada altura. Hmmmm... quando
estivermos no combóio, vou programar o satélite para fazer essas emissões
automaticamente se eu não estiver viva; é fácil, basta o satélite reparar
que não estou a emitir um sinal permanentemente. O transdutor é alimentado
apenas enquanto eu estiver viva, funciona com energia orgânica retirada do
meu corpo... se me matarem, o satélite emitirá automaticamente. Boa ideia,
não achas?

- Genial, - balbuciou Paulo, perfeitamente espantado. Nisto ouviu-se um
apito à distância, e pouco depois o resfolegar de uma máquina
diesel-eléctrica que se aproximava. - Aí vem o combóio...

Entraram no velho conjunto de carruagens metalizadas. Paulo escolheu uma
cabine vazia e fechou a porta; o combóio estava meio vazio.

- Bem, vamos seguir as tuas sugestões de imediato... esse teu dispositivo
maravilhoso pode gravar conversações?

-Pode, claro... e tirar hologramas, se for preciso. Não terão grande
qualidade, mas servirão por agora. - Pareceu concentrar-se por uns
momentos. - A próxima passagem do satélite por aqui será dentro de quatro
horas. Mas podemos ir fazendo a gravação, o transdutor tem memória que
chegue para isso.

- Há maneira de replicar essa informação? Quero dizer, ligar isso a um
computador dos nossos ou coisa parecida...? - inquiriu.

Ela sorriu tristemente.

- São demasiado primitivos... mas posso dar umas indicações do modo de
funcionamento do sistema. O satélite, contudo, pode emitir sinais de rádio
em frequências utilizáveis por vocês. Pode-se transferir a informação para
lá, e depois comandar o satélite para replicar isso em sinais de rádio. Se
tiveres uma antena unidireccional que se possa apontar para uma posição fixa
no espaço, deve ser possível captar a transmissão codificada, e depois
processá-la com um dos vossos computadores.

- Não será demasiado arriscado? Os militares podem descobrir assim a origem
do satélite e abatê-lo...

- É pouco provável; a transmissão pode ser feita em menos de um segundo, e
será só captável numa área reduzidíssima.

- Bem, não temos outro remédio então... começa a gravar.

Myra assim fez. Passou as horas da viagem para Lisboa a explicar quem era,
como tinha vindo parar à Terra, como tinha tido uma avaria na sua nave, como
tinha sido abatida pela Força Aérea Portuguesa e posteriormente capturada.
Depois explicou o funcionamento do satélite e do transdutor; forneceu dados
precisos sobre a localização do satélite e informou que, se o transdutor
fosse desactivado, o satélite passaria a transmitir a informação toda em
ondas de rádio e de televisão facilmente captáveis por quem estivesse na
Terra. Acrescentou tudo aquilo que já tinha contado ao jovem detective -
quem ela era, o que era a Aliança, os princípios básicos do funcionamento da
sua nave e das comunicações instantâneas (Paulo insistira nesses aspectos),
assim como mais algumas coisas de que se recordou na altura. Por exemplo,
embora afirmasse que lhe podiam fazer uma análise ao DNA, comprovando a sua
humanidade, se lhe fizessem uma análise cuidadosa ao sangue e à urina
detectariam aqui e ali alguns elementos estranhos ao corpo humano. Na
realidade, encontrariam provavelmente bastantes grupos de retrovírus activos
no seu corpo, sem qualquer relação com os vírus conhecidos na Terra: eram
sistemas reguladores, criados em laboratório, que faziam uma série de
verificações à integridade biológica e química do seu corpo. Isso era outra
prova da sua nascença fora do planeta Terra, mesmo que alguém lhe removesse
o transdutor...

A jovem terminou aí a sua gravação, mas Paulo estava a fervilhar de
questões.

- Esse relato pode ser, para já, algo que sirva para ficarmos com uma ideia
geral, caso formos apanhados. Mas temos de conseguir chegar à SCE. O Duarte
Nunes vai querer bombardear-te com questões e mais questões! Por exemplo,
essa noção que o teu corpo na realidade encerra dois subsistemas de controlo
imunológico, um natural e outro inteiramente artificial, é espantosa...

Myra sorriu.

- Ah, como os humanos são curiosos, não são? - Suspirou, apoiou a cabeça nas
mãos, fazendo um olhar resignado. - Tu, no fundo, não és muito diferente dos
militares da base...

- Acho isso tremendamente injusto, - protestou Paulo laconicamente. - O meu
objectivo é recolher a verdade, proteger a única testemunha dessa verdade, e
não dissecar-te ou coisa pior...

- Eles diziam exactamente o mesmo, - acusou Myra severamente, mantendo a sua
posição. Paulo ficou sem resposta. Felizmente o combóio terminava a sua
viagem muito em breve; o silêncio manteve-se durante algum tempo até se
tornar opressivo. A jovem extraterrestre «cravou-lhe» um cigarro, para
grande espanto de Paulo, que acabou por perguntar: - Não me vais dizer que
se fuma noutros planetas?!?

Ela riu-se, e a atmosfera pareceu desvanecer-se.

- Cada planeta tem os seus vícios! Não, não julgo que se fume noutro planeta
que não a Terra, e mesmo na Terra, é um vício que está a desaparecer...
estão a substitui-lo por drogas intoxicantes e psicotrópicas, que é no fundo
o que existe por todo o lado... até o vinho, as cervejas, os licores
naturais: em Andor temos descrições da existência de bebidas naturais à base
de fermentação de diversos alimentos naturais, mas, a pouco e pouco, à
medida que o consumo de alimentos naturais diminuiu, essas bebidas todas
desapareceram da nossa culinária... - Levou o cigarro aos lábios, expelindo
o fumo, pensativamente. Depois acrescentou: - Vocês estão numa fase
transitória, mesmo na fronteira, sabias? Por um lado, estão a criar uma
série de alimentos e medicamentos artificiais, mas os que são naturais ainda
não são demasiado caros... mas é um equilíbrio precário. Os teus pais
provavelmente viveram numa geração em que se começou a usar roupa feita de
materiais totalmente artificiais porque um fato ou um vestido de nylon era
mais barato do que um de seda... agora a situação inverteu-se,
temporariamente. Tal como se voltou a apreciar o mel, em detrimento dos
adoçantes sintéticos, ou as pessoas desistiram de alimentos inteiramente à
base de soja, e, em vez disso, passaram a comer carne de outros animais para
além dos tradicionais... subtilezas... o tabaco e a cannabis como
substâncias viciantes naturais estão a perder terreno para as drogas
psicotrópicas, mas em compensação, assiste-se a um aumento do consumo de
bebidas alcoólicas, com recurso a processos de fabrico tradicionais...

Paulo meditou naquelas palavras.

- Tu és uma grande observadora da nossa sociedade, - fez notar ele, passado
um pouco, mas havia algo que lhe estava a perturbar a linha de raciocínio.

Ela riu-se, o fumo do cigarro traçando runas obscuras no ar.

- Os turistas têm uma certa tendência para serem bons observadores, sabias?

- Mas falas de coisas que aconteceram antes de teres nascido, - comentou
Paulo.

Myra encolheu os ombros.

- Estudei muito o vosso planeta, Paulo.

- Acho que o estudaste bem demais, - notou o detective, franzindo um
sobrolho.

- Não me digas que não acreditas em mim e em tudo o que viste até agora... -
Myra pareceu divertida.

- Não... estava a pensar como é conveniente saberes tanto da Terra, mas tão
pouco do teu planeta natal, sob o pretexto de seres «apenas» uma turista, -
concluiu Paulo, pensativo.

- Que queres que te diga? Que queres que conte? Os nomes dos políticos
andorianos? A idade do nosso embaixador na Aliança? As cores da Armada
Imperial? A genealogia de Sua Majestade Imperial, Kasmur Toldor? Os nomes
das ruas em Sandor, a nossa capital planetária? - perguntou ela.

- Não, isso são trivialidades, - fez notar Paulo. - Repara que o que tu
contas da Terra é muito mais denso.

- Sim...?

- Tal como o pormenor que mencionaste que estamos numa fase em que estamos a
largar os produtos sintéticos, dando de novo valor aos produtos naturais.
Isso já requer bastante observação dos costumes da Terra, - explicou ele. -
Myra, sou um detective de profissão. - Corou ligeiramente e pigarreou. -
Posso não ter grande experiência, mas tenho um treino básico que requer
justamente esse tipo de observação e capacidade de raciocínio...

Ela riu-se.

- Estás a recrutar-me para a tua polícia?

(continua no próximo número)
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(c) 2000 Luís Miguel Sequeira
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Concurso de Ficção EVENTOS

1. EVENTOS vem por este meio dar a conhecer que se encontra aberto o
Primeiro Concurso de Ficção Primavera 2000.

2. Poderão concorrer todos os autores de qualquer nacionalidade com qualquer
número de obras, desde que respeitem as normas de conteúdo e submissão de
textos explicadas noutros números do regulamento. Encontram-se excluídos
elementos da equipa de EVENTOS.

3. Apenas serão aceites obras de ficção com tamanho entre 2000 (duas mil) e
8000 (oito mil) palavras, estarem escritas em português, e respeitarem o
espírito da TecnoFantasia ou qualquer das suas outras manifestações: Ficção
Científica, Fantasia, Fantástico, Terror, Horror, Realismo Mágico,
Surrealismo, História Alternativa, Ciberpunk.

4. As obras deverão ser enviadas obrigatoriamente com a identificação
completa do(s) autor(es): nome completo, nome literário, morada, número de
bilhete de identidade (ou equivalente no país de origem), telefone de
contacto, e-mail(s).

5. Cada obra deverá ser enviada como mensagem de e-mail («plain text»), sem
formatações, directamente no conteúdo do texto, com identificação correcta
do título e do autor no início do texto, e indicando no «Subject/Assunto» o
título da obra. Não serão aceites ficheiros em attach.

6. Se o comprimento da obra e as limitações do sistema o obrigarem, a obra
pode ser dividida em várias mensagens de e-mail sucessivas, desde que
perfeitamente identificadas no «Subject/Assunto» com a indicação do número
de ordem da mensagem, e do número total final (ex: «Msg 2 de 5»)

7. Num mesmo e-mail não deverão constar mais do que um, ou parte de, um
único conto. Se o(s) autor(es) pretender concorrer com mais do que uma obra,
deverá individualizar cada um dos seus contos com um e-mail ou grupo de
e-mails distintos e perfeitamente identificados.

8. No caso de divisão da obra em várias mensagens, a identificação do(s)
autor(es) deve constar do e-mail inicial de cada conto.

9. As obras deverão ser enviadas para o email [email protected]
até às 24h de 30 de Abril de 2000, hora de Lisboa.

10. O júri é composto unica e exclusivamente por membros da equipa de
EVENTOS.

11. Do concurso será apurado um único vencedor e até um máximo de 3 menções
honrosas, sendo anunciado na EVENTOS até 31 de Maio de 2000.

12. O jurí poderá deliberar não entregar nenhum dos prémios caso não se
verifique haver um mínimo de qualidade aceitável.

13. O primeiro prémio receberá um vale de compras (gift certificate) na
Amazon.Com no valor de USD 25 (25 dólares), e será publicado na EVENTOS em
data a anunciar. As menções honrosas terão como prémio a publicação na
EVENTOS em data a anunciar. O júri reserva-se no direito de sugerir a
publicação de contos que assim o mereçam.

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(c) 2000 Luis Filipe Silva ( http://www.LuisFilipeSilva.com )
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