Um dia...um grupo de
mulheres do sector de desinfecção do Centro de
Pesquisa Theus, teve uma ideia estúpida. Uma
delas dormia com um meliante que roubava bancos
de ADN. O tipo tinha para venda o material
genético original de um cientista alemão,
nascido há duzentos anos. Parou por uns
segundos, suspirou e prosseguiu o relato
Enfim...elas juntaram-se, compraram o tal
material genético, e mandaram produzir um ser
que...O resto já sabe: é a história da vida.
E para que raio
queriam elas um ser não-integrado com esse
material genético? Questionei.
A estúpida ideia
delas seria criar um ser especialmente dotado que
fizesse carreira para um dia ser presidente da
Theus...Uma vingança , ou coisa parecida.
E você deve ser o
resultado disso... Concluí.
Exactamente!
Confirmou ela Só que nunca
consegui chegar a lado nenhum. Nem nos estudos,
nem na Ciência...nada! E quer saber porquê?
Eu encolho os ombros e agito a cabeça,
com a Maior das honestidades porque elas
foram burladas no ADN! Levanta-se de um
salto e, com os punhos no ar, vocifera:
BURLÕES!!! VIGARISTAS!!!
Calma!
grito-lhe Calma e sente-se imediatamente!
A rapariga obedeceu-me,
mas o seu rosto fez-se vermelho de ira. E, sem
ninguém lhe pedir, continuou a história como
quem há muito quer desabafar:
Os filhos da mãe
venderam às mulheres o ADN de um tal cientista
chamado Franz Kafka... aqui ela faz uma
outra pausa para tentar equilibrar as suas
emoções. Não conseguia. E foi quase em
lágrimas que continuou ...mas esse Franz
Kafka não era cientista , nem nada que se
pareça!
Agora chora
compulsivamente e, de mãos no rosto, milhares de
luminosos e coloridos Prolumen
desprendem-se, ficando a pairar no ar.
Quer algum
hidrante?... Tento ajudar.
Ela levanta do rosto uma
das mãos e com ela faz-me um sinal de recusa.
Fiquei ali a olhá-la sem saber o que sentir ou
pressentir. Sim, que na Segurança os
pressentimentos contam bastante.
Bem...tínhamos de
terminar. Resolvo então dar-lhe uma oportunidade
de espraiar a sua história:
Se esse tal Kafka
não era cientista, quem raio era ele?!
Escritor
gemeu ela e daqueles mais esquisitos!
Escritor, o que é
isso?! Indaguei, pasmado.
Você
sabe...aqueles que inventam historietas...
Elucidou-me ela.
Intelectuais, quer
dizer! Concluo.
Isso...
Acedeu ela, como se no momento qualquer
definição bastasse.
Pronto...
tentei deduzir não estava preparada para
os maravilhosos desafios da Ciência e
Pesquisa...E depois?
O rosto dela
transfigurou-se numa careta assustadora. As veias
do pescoço pareciam negros tubos amnióticos e
os olhos raiavam sangue.
Imagina
voltou ela à voz alterada imagina o que
é ter genes de escritor num corpo destes?
Realmente o corpo era
perfeito e belo; daqueles de nos liquefazer as
endócrinas.
E como acha que
será a minha vida? continuou ela
Colocando tudo em causa, discutindo com tudo e
com todos, a desobedecer por capricho, a ter
ideais quando já ninguém os tem, a não aceitar
críticas...Eu sei lá!!! Ela encosta-se,
abatida, a uma parede defronte, fungou e
prossegue: No outro dia, veja bem, perdi
uma fortuna. Tinha arranjado um paspalho com
toneladas de crédito e, sabe?, não consegui
nada dele...fazia-me lembrar um insecto!!
E desatou num pranto dorido, agora sobre a mesa.
Como em qualquer ocasião
em que não sabemos o que fazer, mais vale sermos
profissionais. Assim, continuei o
interrogatório:
E que adiantaria
ao assunto falar com o laboratório? Já passaram
uns anitos...
Sei lá!
choraminga estava farta de sofrer
sózinha... Sei lá!...
E porque não
tentou ser intelectual? Sugeri.
Ela olha-me, incrédula,
e riposta: Está maluco? E eu ia viver de
quê?!
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